Será que a ONU só conseguiu uma concessão aos direitos LGBT de Uganda?

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Sunday, 16 October 2011

Por Paul Canning
Tradução: Sergio Viula
para o blog Fora do Armário


Desde o que o processo do Universal Periodic Review (Revisão Universal Periódica - UPR) começou em 2007 no Conselho de Direitos Humanos nas Nações Unidas, forçou-se tanto os governos a defenderem suas políticas como também a transformá-las.

A atual sessão da UPR já viu dois países concordarem em descriminalizar a homossexualidade. 

Uganda participou de sua sessão semana passada alegando que:

"Existe informação de recrutamento camuflado, especialmente de nossas crianças e jovens, para tais práticas que consideramos degradantes para o tecido moral de nossa sociedade." Todavia, nenhuma evidência desse programa foi apresentada - porque nenhuma existe.

Essa linha de argumento sobre "recrutamento" é amplamente usada pelos proponentes do projeto de lei anti-homossexualidade "Mate gays". O principal proponente do projeto de lei, o parlamentar David Bahati, foi desafiado pela apresentadora do noticiário US MSM Rachel Maddow no ar ano passado quando apareceu em seu programa. Especificamente, ela perguntou: onde está a evidência? Desafiado a apresentar as evidências, ele nunca o fez. E ninguém mais também.

O ativista ugandense Frank Mugisha estava em Genebra para a sessão e, escrevendo ao jornal Huffington Post, declara-se "desencorajado e desapontado ao ver que meu país Uganda fracassou novamente em levar os direitos de seus cidadãos LGBTI a sério."

Ele cita: recusa de atendimentos básicos de saúde; leis criminizalizando a homossexualidade, e a negação da possibilidade de organizações da sociedade civil se registrarem como organizações não-governamentais oficiais (ONGs).

Esta última foi terminantemente negada pelos representantes do governo ugandense em Genebra. Mugisha escreve:

"Para mim, esse assunto é uma piada" - escreve Mugisha. "Grupos LGBTI, como o que eu lidero, nunca vão atender os critérios de ONG de Uganda, enquanto o meu governo considerar nosso trabalho como criminoso."

Porém, ele ressalta que uma longa lista de países ao redor do mundo "colocou meu governo na berlinda", inclusive dizendo a Uganda que "pare com as falsas alegações de que grupos LGBTI recrutam jovens para a homossexualidade."

A UPR pode ter algum efeito sobre Uganda, uma vez que o país concordou em:

Investigar e processar ataques e intimidação contra membros da comunidade LGBT e ativistas;

Investigar exaustivamente e processar efetivamente a violência contra LGBTs, incluindo ativistas dos direitos gays;

Tomar atitudes concretas para impedir a discriminação e os ataques contra pessoas LGBT. Uganda também concordou com uma proposta apresentada pela Polônia para "engajar a sociedade civil no processo de implementação das recomendações feitas pela UPR" - de trabalhar com ONGs para desenvolver medidas de combate à violência.

Ativistas no país continuam a registrar pequenas vitórias. Semana passada veio o acordo sobre ativistas HIV/Aids para promover acesso à prevenção contra o HIV e ao tratamento nos centros de saúde pública de Uganda aos homossexuais, relata Behind The Mask (Por Trás da Máscara).

O sucesso de Uganda em reduzir a prevalência nacional de HIV/Aids de 30 por cento na década de 80 para cerca de 6,4 por cento em 2010, de acordo com as estatísticas da Comissão de Aids de Uganda, está sob ameaça por causa do devotado financiamento a programas de educação pró-abstinência. Estes têm sido maciçamente financiados pelo programa PEPFAR dos EUA (que totaliza cerca de 280 milhões de dólares americanos). Esses programas de prevenção ao HIV/Aids - praticamente inúteis - são ferozmente apoiados pela esposa cristã do presidente de Uganda, Janet Museveni, e geralmente significam recursos financeiros indo para as igrejas.

Programas para as minorias HSH (homens que fazem sexo com outros homens) bem como outras minorias como profissionais do sexo e prisioneiros têm permanecido quase inteiramente sem fundos. Aqueles que trabalham para combater o HIV/Aids também têm sido relutantes em defendê-los. Todavia, isso agora está mudando por causa do trabalho de base.

Em julho, um grupo de lobby LGBT, Uhspa Uganda, foi designado para um comitê para encabeçar os direitos homossexuais nas políticas de saúde pública em Uganda.

O líder dos homens HIV-positivos, Richard Serunkuuma diz que por mais de 20 anos ele teve que viver com HIV/Aids e ele quer que pessoas gays tenham o mesmo nível de acesso à assistência, tratamento e apoio. Ele execrou o projeto de lei Anti-Homossexualidade Anti Homosexuality Bill que obrigaria os trabalhadores de saúde a denunciarem seus clientes gays à polícia através de informação obtida quando as pessoas gays visitassem os centros de saúde de Uganda.


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COMENTÁRIO DESTE BLOGUEIRO

O parlamentar anti-gay que propôs o tal projeto de lei contra os homossexuais (com pena de morte) é evangélico. Ele prega frequentemente nas igrejas. A mulher do presidente que prega a abstinência ao invés do sexo seguro - o que só adia o problema - é evangélica. A organização americana que financia esse projetinho dela é evangélica. As igrejas que recebem os recursos que deveriam ser aplicados em prevenção ao HIV/AIDS são evangélicas... E o problema de Uganda são os gays?

Ainda bem que as Nações Unidas não fecharam os olhos para esse mar de violações dos direitos humanos. E ainda bem que tem gente em Uganda que não se deixa dobrar por causa da cara feia e do ódio de quem se pensa dono da verdade e da liberdade alheia.

Se Uganda desse menos ouvidos a esses fundamentalistas talvez já estivesse a milhões de anos-luz de distância desse subdesenvolvimento que a caracteriza.

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