Postagem em destaque

Linguagem neutra não-binária (trecho de uma live)

Imagem
 Por Sergio Viula Esse é um trecho de uma live feita com @Sviula a convite de @carolina_carolino no perfil das @carolinas_da_borborema no Instagram em 07/04/24. Esse é apenas um trecho da nossa conversa e se refere ao uso da linguagem neutra não-binária. A live completa pode ser vista aqui: https://www.instagram.com/reel/C5en-hhvjuq . Nessa live, além de linguagem não binária, discutimos a falsamente chamada "cura gay", o Movimento LGBT+ no Brasil, temas relacionados à orientação sexual e identidades de gênero.  O trecho abaixo é apenas um recorte da live, mas considero que seja muito interessante e relevante para as diversas discussões sobre linguagem neutra na atualidade. Confira e siga o perfil dos participantes no Instagram. Carolina Carolino e Sergio Viula 07/04/24 Instagram: @carolinas_da_borborema

'Travesti não é banguça' e transfobia é crime

Rogéria: A travesti mais famosa do Brasil 




Por Sergio Viula



É sabido que a sociedade castiga aqueles que desafiam suas regras de alguma maneira, especialmente aquelas relacionadas normas de controle da sexualiade e do gênero. As travestis são as que pagam mais caro por sua ‘transgressão de gênero’. Elas são punidas com ostracismo, isto é, com sua segregação de áreas quase sempre acessíveis às pesssoas que não desafiam as normas binárias de gênero. Entenda-se por ‘normas binárias de gênero’ aquilo que geralmente se diz através do famoso mantra ‘isso é coisa de menina’ e ‘isso é coisa de menino’. Por causa desse apartheid de gênero, as travestis deixam de ter acesso a uma série de coisas. Destaco aqui a educação, os cuidados médicos e a moradia.

Mas, como dizia Luana Muniz, famosa travesti que atuava na Lapa, no Rio de Janeiro: Travesti não é banguça! O jargão, que se tornou símbolo de resistência, viralizou na Internet, e Luana se tornou alvo do interesse de programas de TV e até de diretores de cinema.




Luana faleceu em 06/05/2017, aos 56 anos, devido a uma parada cardio-respiratória, conforme atestato pelo Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, no Rio de Janeiro. 




Travestis e acesso à educação

O acesso à educação é restrito por meio de vários mecanismos de controle social mantidos pela própria 'comunidade escolar', isto é, alunos, pais, professores, coordenadores pedagógicos e administradores, que vão da direção à zeladoria e portaria. Os mecanismos de controle incluem a manutenção de rígido controle sobre as vestimentas, inclusive com o uso de uniformes geralmente caracterizados por distinções arbitrariamente estabelecidas e já cristalizadas sobre o feminino e o masculino e atribuídas ao sexo anatômico (macho e fêmea), como se essa anatomia fosse sempre dicotômica, binária, dual. Existem inúmeras variações nessa anatomia que muitos ignoram e tantos outros escondem. As pessoas intersexuais saem cada vez mais de seus armários e são a prova de que há diversidade até nisso. Se as escolas lidam mal com alunos, pais, professores (etc) que não se encaixam nas normas continuamente reforçadas de gênero sem serem intersexuais, imaginem como seria a vida de uma pessoa que apresentasse caracterísitcas dos dois sexos! Mas, meu foco hoje é a pessoa travesti, não a intersexual.


A travestilidade pode ser percebida em muitos indivíduos desde bem cedo. E a reação dos transfóbicos de plantão, especialmente nas escolas, pode ser desastrosa. A criança ou adolescente que transgride as normas para expressar-se no gênero com o qual se identifica acaba sendo ridicularizada, coíbida e punida administrativamente nesses ambientes transfobicamente sufocantes.

Além desse mecanismo de controle sobre o que se deve vestir, existe também um dispositivo reforçador de gênero que pode provocar muito sofrimento. Ele pode parecer simples e inofensivo à primeira vista, mas causa dores emocionais profundas sobre a estudante travesti. Trata-se da chamada. Chamar Tábata, que se expressa visualmente toda no feminino, de Teobaldo é uma violência contra a aluna travesti. Mas a chamada não é o único momento em que o prenome se torna um tormento. A identificação pessoal será necessária em trabalhos, boletins e comunicados escolares. Cada vez que Tábata tiver seu nome riscado para dar lugar a Teobaldo, o sofrimento será renovado.


A pessoa travesti, seja qual for a sua idade, deve ser chamada pelo nome social de sua escolha, mesmo que ainda não tenha conseguido fazer a mudança legal de seu nome nos documentos oficiais. Isso é o que chamamos de 'nome social'. Entretanto, escolas transfobicamente sufocantes se recusam a respeitar o nome social de alunas travestis até que uma ação seja impetrada contra elas ou alguma manifestação pública as constranja a agir como deveriam de fato. Infelizmente, em muitos casos, porém, essas escolas contam com a conivência de pais transfóbicos, inclusive das próprias crianças e adolescentes travestis. Quando isso acontece, elas ficam impotentes, tendo que esperar pela maioridade para tomarem providências. Acontece que uma pessoa pode passar de 12 ou 13 anos na escola para chegar ao final do ensino médio - isso se não repetir nenhum ano. A vida da aluna travesti pode ser atormentada por muitos anos se a escola não for acolhedora e proativa em garantir seu acolhimento e bem-estar. O ‘bullying’, ou seja, o assédio moral em forma de ataque verbal ou físico por parte de outros alunos, quando não por parte de professores também, agrava o sofrimento dessa aluna. O resultado de tanto sofrimetno psíquico em ambientes escolares tóxicos é que a criança ou adolescente travesti acaba abandonando a escola.

O resultado disso é que ela dificilmente conseguirá uma colocação no mercado de trabalho formal, sendo empurrada para a informalidade do sub-emprego ou do cinicamente chamado ‘empreendedorismo’, que muitas vezes nada mais é do que um recurso eufemístico para substituir o termo ‘camelô’. Mas será que essa possiblidade está realmente disponível para a travesti tanto quanto está acessível a pessoas cisgêneras (aquelas que não são transgêneras)? Estará a travesti segura naquele ambiente?

Quem já entrou num camelódromo ou em outros ambientes de comércio popular informal sabe como as pessoas pode ser cruelmente preconceituosas naqueles espaços de trabalho e conviência. Muitos homens camelôs são extremamente abusivos no modo como lidam com as mulheres à sua volta. As mulheres, por sua vez, podem ser extremamente cruéis com simples rivais cisgêneras. Agora, imaginem o que passaria uma travesti que, como uma indefesa capivara, se aventurasse por aquelas águas cheias de piranhas e jacarés, considerando-se o potencial destrutivo das interações nesses ambientes profundamente transfóbicos.

Não me entendam mal. Travestis são muito fortes. Elas se defendem bem muitas das vezes. Porém, não detém superpoderes e nem são mutantes ao estilo X-Men. Um grupo enfurecido ou um único indivíduo sorrateiro, armado com uma simples lâmina, pode dar cabo de qualquer pessoa que esteja vulnerável em algum momento de sua vida. E quem seria a pessoa travesti (ou não) que poderia lidar com esse tipo de angústia 24 horas por dia, todos os dias, sem ser apanhada de surpresa ou sem considerar, no final das contas, o suicídio como a saída menos dolorosa?

Não deveria causar estranheza, portanto, que o número de suicídios entre pessoas transgêneras de um modo geral seja altíssimo. Vale lembar que 'pessoas transgêneras' incluem travetis, transexuais e muitas outras. Porém, as travestis são, sem sombra de dúvida, as que mais causam frisson quando saem as ruas para trabalhar, se divertir ou fazer compras como qualquer outro cidadão.


Apesar de tudo disso, muitas travestis resistem bravamente e dão curso às próprias vidas. Entretanto, não é raro que muitas desenvolvam algum tipo de dependência química. O álcool, asssim como outras substâncias, pode se apresentar como um paliativo para as dores písquicas causadas pela transfobia, mas logo provarão ser uma doença difícil de ser curada. Contudo, as travestis poderiam ter sido poupadas de todas essas dores se fossem respeitadas em seus direitos e valorizadas em seu potencial criativo e produtivo, como qualquer outra cidadã ou cidadão que nunca questinou as ‘normas de gênero’.


Travestis e atendimento de saúde

O acesso aos cuidados de saúde são outra questão. Muitos médicos, enfermeiros e outros profissionais da área de saúde física e mental ignoram as peculiaridades e necessidades das travestis quando estas buscam antendimento.


Por temerem ser desrespeitadas até mesmo na hora de serem chamadas ao consultório. De novo, Tábata poderá acabar sendo chamada de Teobaldo, causando burburinho na sala de espera, muitas travestis nem sequer marcam uma consulta ou entram numa fila de espera para atendimento. Além disso, elas temem ser atendidas com má vontade por médicos cuja transfobia não foi curada pelos 9 anos de curso e residência, até porque as universidades não promovem esse tipo de reflexão. Esse despreparo e má vontade por parte dos profissionais de saúde resulta em grandes riscos para muitas travestis jovens, que acabam fazendo procedimentos de femininização por conta própria ou contratando aventureiras ou aventureiros que se dizem capazes de dar a elas o corpo que elas desejam. Isso pode gerar problemas sérios de saúde, pois os produtos não são adequados e a falta de supervisão por parte de um profissional treinado e licenciado na área de saúde pode levar a resultados desastrosos.


Se as travestis jovens carecem de atendimento preventivo, as travestis idosas sentem falta de atendimento terapêutico, pois muitas delas já fizeram o que deveria ter sido evitado, caso tivessem sido devidamente orientadas, e agora precisam de tratamento para os efeitos colaterais. À medida que mais pessoas assumem sua travestilidade e transexualidade, mais mulheres travestis e transexuais tendem a chegar à terceira idade. Elas precisam de atendimento de acordo com suas especificidades. Algumas nunca foram atendidas por um médico que saiba lidar com suas peculiaridades. Travestis são pessoas transgêneras que não buscam operação de transgenitalização. Transexuais, por sua vez, podem buscá-la ou não. Médicos, portanto, precisarão lidar com mulheres com pênis alguma vezes e com mulheres com vaginas em outras – todas sem útero ou glândulas mamárias com potencial para aleitamento materno; todas elas com próstatas, independentemente de terem vagina ou pênis; nenhuma delas com mestruação ou menopausa, mas também não perfeitamente enquadradas no que seria a andropausa se passaram por hormonização para feminização. São diversas as questões. E para todas essas partes do corpo da pessoa transgênera existem demandas que precisam ser atendidas por um profissional de saúde, assim como acontece com o corpo de qualquer pessoa cisgênera. Cada corpo tem suas demandas. E os profissioanais de saúde precisam estar preparados para lidar com todas elas.

Mas não são apenas as travestis jovens que precisam ser orientadas quanto ao atingimento de seus alvos em relação ao corpo que desejam ter. Há também travestis com mais idade que não se assumiram na juventude, mas querem fazê-lo agora. Estas também precisam de orientação sobre como proceder para atingirem seus objetivos sem prejudicarem sua saúde ou agravarem quadros patológicos já existentes, tais como: Problemas cardíacos, respiratórios, circulatórios, etc.

Para que nunca ouviu o que as travestis pensam sobre envelhecimento, isso pode parecer muito estranho, mas existem travestis que não querem mais manter o silicone ou sua rotina de hormonização por diversos motivos diferentes. No livro Velhice Transviada, de João W. Nery, Sissy Kelly Lopes fala sobre isso. Veja o trecho abaixo.







Quando decidem 'destransicionar', algumas delas ganham feições não-binárias, ou de gênero indefinido, ou seja, acabam não se enquadrando mais no visual de mulher nem no visual de homem, conforme imaginado pela sociedade. Essas pessoas devem ser respeitadas em suas decisões, mas bom seria que recebessem apoio psicológico ou psicanalítico, pois esse súbito desejo de se desconstruir pode ter algo a ver com a transfobia circundante ou até mesmo internalizada. Ela pode estar precisando de ajuda para entender quais são suas possibilidades como travesti que entra na terceira idade ou que já idosa mesmo. O ideário de travesti sedutora e sempre sexualmente disposta pode ser um fantasma assombrando as pessoas que já não se enquadram nesse estereótipo. De novo, é preciso que profissionais de saúde, nesse caso especialmente psicólogos e psicanalistas, estejam preparados para lidar com essas questões em relação ao ser e ao devir da pessoa travesti.

Travestis e moradia


Sobre moradia, o problema mais conhecido pela maioria das pessoas quando se trata de jovens travestis é o da expulsão de casa. Muitas famílias, querendo se livrar dos comentários de vizinhos, amigos e parentes sobre a sexualidade e a transgeneridade do 'filho' - e por se recusarem a pensar 'nele' como ela, acabam tornando a vida da jovem travesti insuportável dentro de casa. Isso pode levar à fuga na tentativa de obter vida melhor. Em outros casos, a própria família expulsa a travesti de casa com todas as letras. Da noite para o dia, ela se encontra sem pai nem mãe, sem irmãos, sem suas coisas, sem seu lugar de repouso. A fofoca, porém, não deixará de acontecer, pois os vizinhos, amigos e parentes falarão do mesmo jeito, ainda que finjam acreditar que ‘fulaninho’ foi para outra cidade estudar ou trabalhar, como alegado pelos pais.

A travesti jovem, agora sem casa e sem idade para trabalhar, ou sem renda porque não tem emprego, acaba ficando vulnerável a todo tipo de violência nas ruas das grandes e pequenas cidades. Não faltarão traficantes querendo usá-la como ‘aviãozinho’. Logo, ela mesma gastará o dinheiro obtido com a venda de drogas para comprar suas próprias drogas. Depois disso, a pessoa fica presa nesse círculo vicioso.

O envolvimento com tráfico ou com o uso abusivo de drogas pode culminar em encarceramento, caso a pessoa travesti seja flagrada pela polícia. O cárcere é outro local onde a transfobia já se manifesta na pessoa do agente da lei, seja o policial, o delegado, o carcereiro ou outros.

O caso Verônica Bolina não pode ser esquecido. Acusada de agredir uma senhora durante um surto psicótico, ela foi desfiguada pelos policiais que a detiveram, teve suas roupas rasgadas, os seios expostos e seus lindos cabelos raspados. Do local da prisão até o presídio, eles fizeram tudo o que puderam para transformar o visual de uma princesa na face de um monstro coberto de hematomas. Só mesmo um negador da realidade diria que isso não foi motivado por transfobia. Veja fotos abaixo.



Fonte da foto: 

Mais informações sobre o caso nesse link também. 



Verônica foi violada de várias formas pelos agentes que deveriam apenas detê-la. 



Não faltarão cafetões ou cafetinas dipostos a oferecer um quarto para a travesti expulsa de casa ou que não suportou as humilhações e saiu. Só que o quarto dificimente será só dela. Ela conviverá com pessoas cujos hábitos e vícios podem criar constrangimentos de todos os tipos a novata. E se ela quiser continuar morando ali, vai ter que fazer o papel de escrava sexual dos clientes que 'consomem' o que a casa oferece. Não confundir o crime de exploração sexual que a cafetinagem faz com essa travesti com o trabalho autônomo de uma profissional do sexo. No caso da cafetinagem, ela será obrigada a vender o que tem de melhor (seu corpo) para enriquecer os que a exploram sem piedade em troca de um cárcere falsamente chamado de residência. E como não existe reconhecimento legal do trabalho das pessoas que atuam como profissionais do sexo, a travesti que decidir trabalhar por conta própria dessa maneira correrá o risco de ser esfaqueada ou até morta por mafiosos que se consideram os ‘donos’ da rua. Era isso que o projeto de lei que ficou conhecido como "Lei Gabriela Leite", de autoria do Deputado Jean Wyllys, em 2012, queria evitar. A hipocrisia da sociedade, refletida no Câmara dos Deputados, inviabilizou o trâmite do projeto.


Veja o texto do projeto aqui: 

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1012829




Amara Moira, doutora pela UNICAMP 
E se eu fosse puta foi lançado em 2016. 

Atualmente, Amara Moira (foto acomima) não trabalha mais como profissional do sexo, mas é uma defensora da regulamentação da prostituição no Brasil.  Além disso, ela acredita que a literatura é fonte de transformação social. 



Quando a travesti consegue alugar um lugar só seu, depois de batalhar muito para ganhar dinheiro, seja em ofícios mais respeitados como os de cabelereira, manicure, etc., seja através da renegada – mas sempre procurada pelos ‘homens de bem’ – prostituição, ela ainda poderá sofrer assédio transfóbico por parte de síndicos e condôminos. Em muitos casos, a pessoa travesti não conseguirá sequer alugar casa ou apartamento simplesmente porque o dono do imóvel rejeita terminantemente a ideia de ter uma travesti como inquilina, geralmente achando que a casa se transformaria num ‘puteiro’. Senhorios e imobiliárias costumam agir como se travestis fossem encrenca. Ignoram que muitas delas mantém excelente ambiente familiar em casa, inclusive cuidadando de mães ou pais idosos, educando sobrinhos cujos pais são incapazes de cuidar deles, entre outros. Algumas são casadas e mantêm excelente relacionamento com seus parceiros. Existem, sim, travestis que não se comportam de acordo com as boas regras de convivência, mas essa também é a realidade de muita gente não travesti que nunca teria sua proposta de aluguel negada apenas por uma passada d’olhos sobre sua figura.


O pior dos mundos para uma travesti

Com problemas para permanecer na escola, entrar no mercado de trabalho, acessar atendimento médico, viver em paz na casa dos próprios pais, assinar contrato de alguel para viver em paz, além de ter que lidar com vários outros fatores decorrentes dessas violências, como o uso excessivo de álcool e outras drogas, a travesti que não trabalha sua autoestima e fracassa em estabelecer um pacto perpétuo de amor próprio e considera a possibilidade de abrir mão de direito à autoexpressão, pode acabar se tornando alvo fácil para outro grupo de predadores além dos já conhecidos cafetões e traficantes, os quais são reconhecidamente perigosos e maléficos. A classe de canalhas a que passo a me refeir aqui são ainda mais nocivos por não parecer tão venenosos, mas são extremamente peçonhentos.

Refiro-me a um tipo específico de patife, geralmente disfarçado de amigo muito interessado no bem-estar das pessoas. Ele chega à pessoa travesti todo trabalhado na verborragia do amor incondicional. Algumas desavisadas pensam que esse papo de amor incondicional é sério. Não percebem que trata-se apenas de uma isca que camufla o mortífero anzol. O pilantra diz: “Jesus te ama, mas você tem que deixar de ser travesti.” Peraaaaaaaaaaaaaaaí! Atenção aqui! Se a travesti não se negar a ouví-lo a partir daí mesmo, ela quase certamente será fisgada por esse farsante. Trata-se do pastor evangélico metido a ‘curandeiro’ de travestis e de outros membros da comunidade LGBT+.

Algumas travestis depois de terem conhecido o pior da vida, graças a esses mesmos canalhas que a demonizam e a outros tantos que ouvem suas doutrinações transfóbicas, fica desarmada ao ser abraçada e ouvir alguém dizer que a ama. Ela acredita que seu valor foi finalmente reconhecido, mas não percebe que está sendo seduzida por artemanha. A pessoa que lhe fala com ares de bondade é um transfóbico representando um deus transfóbico que, de acordo com sua mitologia, tem o poder de lançá-la no fogo eterno se ela simplesmente se atrever a continuar passando batom e andando de salto alto. São duas fabricações imaginativas: o suposto ungido de deus e o suposto deus que o ungiu.

Uma vez fisgada por esses patifes que juram saber exatamente o que ela precisa, garantindo que ela só econtrará felicidade naquela igreja, com aquele pastor, dando seu dízimo fielmente, é claro, essa travesti chegará ao cúmulo de se ‘desmontar’ toda para se enquadrar no lugar onde sempre tentaram enfiá-la de todos os modos possíveis. Ela lutou bravamente, mas agora, desarmada por falsas promessas em nome de deus, ela cai numa das armadilhas mais eficazes para capturar pessoas frustradas – a da religião.

Tais religiões, seitas e cultos se consituem no mais cruel, mesquinho e dissimulado de todos os mecanismos de controle e sujeição às normas do patriarcado – todas elas carregadas, em maior ou menor grau, de machismo, misoginia, transfobia e homofobia. A travesti, uma vez domada, será devassada e manipulada em toda a sua intimidade.

O pastor patife, promotor de ‘cura’ para a travestilidade, é pior, repito, do que o cafetão e do que o traficante, pois destes a travesti sabe que precisa se desvincular o mais rápido possível, mas do suposto mensageiro do suposto deus, ela temerá se afastar sob pena de condenação eterna. Algumas nem acreditarão em castigos ou recompensas pós-mundandos, mas se sujeitarão a esses manipuladores para não perderem sua mais nova 'conquista': Ser parte desse simulacro de família de deus que parece poder substituir outro simulacro – o da família biológica que a rejeitou ou que adoraria que Tábata voltasse a ser Teobaldo.

Para usufruir do respeito e da admiração de sua nova ‘fraternidade’ (leia-se alcateia transfóbica devoradora de ovelhas travestis desavisadas), a recém-cooptada travesti deixará de tomar seus hormônios ou fará a retirada do silicone tanto quanto possível e o mais rápido que puder. Logo que entrar para aquela colônia de desequilibrados sexualmente mal resolvidos, ela será obrigada a colocar roupas masculinas, deixará crescer pelos em partes geralmente destinadas a isso pelos machistas de plantão, tentará falar em ‘voz masculina super masculinizada’ (geralmente sem sucesso) e pedirá que o fictício deus transfóbico, fingidamente amante de travestis arrependidas e dipostas a renunciarem sua própria travestilidade, elimine quaisquer trejeitos femininos em sua postura e gestual. Nasce, então, a figura nada miraculosa ‘do’ ex-travesti.


Ex-travestis: Seria divertido se não fosse trágico



Talita Oliveira, a A travesti-propaganda de Feliciano diz que não existe "cura gay" 



Ex-travestis tentam se comportar como homens cisgêneros heterossexuais à luz dos holofotes. Alguns deles até se casam com mulheres cisgêneras e têm filhos para comprovar sua hiper-cisgeneridade heterossexual. Juram que amam suas mulheres e que estão plenamente satisfeitos com elas. A igreja dá glória a deus, e o ‘ex-travesti’ se sente tomado pelo fogo do deus transfóbico que jura existir. Quando já ia sapatear no fogo santo, ele pensa: “É melhor não. E se o meu sapatear no espírito santo parecer mais com o rebolado de uma das passistas do Sargenteli sambando sobre o altar?" Segura a onda, Tábata. Você agora é Teobaldo (#sqn).

De fato, a Tábata dentro dele se recusa a morrer.

Durante a noite, Teobaldo sonha com aquele macho gostoso que ele viu no culto. Nada diferente do que acontece com muitas 'irmãzinhas' santíssima, trabalhadas no jejum, na vigília e na batalha espiritual. Algumas delas sonham em "dar o seu melhor" ao pastor. Mas, voltando à Tábata, pode ser que ela relembre algum momento áureo de relacionamento de seu passado com algum cabra-macho que sabia fazê-la feliz como ninguém mais faz. O desejo bate à porta. Tábata nem precisava lembrar o caminho de volta. Ela nunca foi embora. A gloriosa travesti sempre esteve ali, apesar de recalcada sob todo aquele escombro machista-heterossexista que Teobaldo foi acumulando na igreja ao som gospel de “entra na minha casa, entra na minha vida” e com toda aquela babaquice "evangexcêntrica" que vocês já conhecem.

Teobaldo tem duas opções basicamente:


1. Continuar fingindo que Tábata nunca existiu, ou que morreu sem jamais poder ser ressuscitada de novo, enquanto entrega-se à imaginação carregada de erotismo com outros homens e vai aliviando seu tesão naquele jogo de ‘cinco contra um’, mesmo se sentindo culpado a cada ejaculação;


2. Ou sair do armário de uma vez e assumir que é travesti mesmo, que nada mudou de fato, e que tudo não passou de um grande engano.


Nada disso, porém, teria acontecido se Tábata tivesse sido respeitada e aceita nos espaços de conviência, assistência, produtividade e recreação aos quais as pessoas têm livre acesso quando ninguém encontra nelas qualquer vestígio de transgressão das regras binárias de gênero. Em outras palavras, quando a pessoa em questão não é travesti ou outro transgênero.

Se escolher a primeira opção, Teobaldo continuará trabalhando de graça para a igreja e fazendo contribuições expressivas na esperança de se livrar da culpa pós-masturbação com desejo por outro homem. Mas vale lembrar que muitas dessas travestis enfiadas em ternos e gravatas na escola dominical estão transando com outros 'servos de deus' que, como elas, estão no armário e não se aguentam mais. Enquanto isso, Teobaldo mantém seu casamento ‘heterossexual’ a duras penas e sem contar para sua mulher que ela transa todos os dias com um simulacro de ‘mensageiro do deus trasfóbico’ que é apenas Tábata recalcada no fundo de uma psiquê adoecida pela transfobia, mas nunca morta de fato. O melhor para as duas era que Tábata saísse logo do armário e elas pudessem ir ao cabelereiro juntas ou viverem (felizes) separadas para sempre.


Às queridas travestis


Amiga travesti, não existe maior equívoco do que sacrificar sua própria identidade ou expressão de gênero para se submeter a alguém ou alguma coisa em troca de reconhecimento ou acolhimento. Há outras maneiras de se construir redes de apoio mútuo. E para quem não dispensa religião de alguma maneira, existem lugares ‘sagrados’ menos tóxicos do ponto de vista da transfobia dogmática.

Faça escolhas melhores. Nenhuma escolha jamais será boa o suficiente se em vez de te empoderar como a pessoa que você é, isso te enfraquecer e te conduzir a se sujeitar a enquadramentos basedos em auto-ódio ou em ‘amores condicionais’ que não passam de cantos de sereia. E não me refiro de modo algum à bela Ariel, princesa da Disney. Refiro-me às carnívoras sereias que povoam o imaginário mitológico greco-romano.

Diante desses pastores-sereias-carnívoras-devoradoras-de-travestis, faça como Ulysses que pediu para ser amarrado ao mastro do navio e tampou os ouvidos de seus companheiros com cera quando estavam para cruzar o mar infestado por essas perigosas criaturas mitológicas, a fim de não serem atraídos e devorados por elas. Tampe seus ouvidos para pregação mortífera desses fundamentalistas religiosos mal resolvidos com sua própria sexualidade e autoproclamados representantes de um deus pior do que eles e tão fake quanto eles. Se não o fizer, você será devorada pela transfobia desses canalhas.




Sugestão e leitura



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A homossexualidade no Egito antigo

Zeus e Ganimedes: A paixão entre um deus e um príncipe de Tróia

Humorista 'Picolina' é encontrada morta dentro de casa em Fortaleza