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Linguagem neutra não-binária (trecho de uma live)

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 Por Sergio Viula Esse é um trecho de uma live feita com @Sviula a convite de @carolina_carolino no perfil das @carolinas_da_borborema no Instagram em 07/04/24. Esse é apenas um trecho da nossa conversa e se refere ao uso da linguagem neutra não-binária. A live completa pode ser vista aqui: https://www.instagram.com/reel/C5en-hhvjuq . Nessa live, além de linguagem não binária, discutimos a falsamente chamada "cura gay", o Movimento LGBT+ no Brasil, temas relacionados à orientação sexual e identidades de gênero.  O trecho abaixo é apenas um recorte da live, mas considero que seja muito interessante e relevante para as diversas discussões sobre linguagem neutra na atualidade. Confira e siga o perfil dos participantes no Instagram. Carolina Carolino e Sergio Viula 07/04/24 Instagram: @carolinas_da_borborema

Alguns equívocos do Moses

Este post tem por objetivo refletir sobre algumas declarações de João Luiz Santolin, presidente do Moses, durante um seminário promovido pelo Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM) em parceria com o Instituto de Estudos da Religião (ISER), conforme publicado no livro "Religião e Sexualidade: Convicções e Responsabilidades, organizado por Emerson Giumbelli, publicado pela Editora Garamond, 2005 (ISBN 8576170604, 9788576170600).

De acordo com Santolin, o Moses foi fundado em 1997. Ele está certo. Ele só não disse que isso aconteceu durante a Parada Gay celebrada no Rio de Janeiro, no referido ano. Também não disse que éramos três: Santolin, Liane França e eu (quem tiver dúvida, consulte o jornal O Globo, publicado no dia seguinte ao da passeata, pois nossos nomes estão lá no último parágrafo da matéria de cobertura da Parada Gay). Obviamente, ele não disse, devido ao constrangimento causado pela entrevista que dei em novembro de 2004 à revista Época, na qual disse abertamente que "curar" homossexuais é uma farsa, e que minha experiência com o Moses só confirma isso.

Segundo Santolin, o objetivo do Moses é celebrar a Deus como criador da sexualidade humana. Isso é questionável, especialmente levando-se em conta que o Moses toma o mito de Adão e Eva como relato verídico da criação do homem - o que, por si só, não nega a possibilidade da homossexualidade, pois a passagem se refere ao sexo genital, nada declarando sobre orientação sexual. Que existe macho (homens gays também são machos, pois têm pênis) e fêmeas (mulheres gays também são fêmeas, pois têm vagina), isso não se discute. O que não pode se pode ignorar é que sexo biológico é uma coisa e sexualidade (ou orientação sexual) é outra. Machos e fêmeas podem ser bissexuais, homossexuais ou heterossexuais.

Além disso, há o hermafrodita que apresenta características biológicas de macho e de fêmea ao mesmo tempo. Se deus é o criador da sexualidade humana, ele não parece ter vetado nenhuma dessas possibilidades, pois elas ocorrem naturalmente - e com mais frequência do que se imagina.

Santolin também colocou como objetivo do Moses reafirmar nossa fé em Jesus Cristo como redentor da família. Contudo, há que se perguntar de que "família" ele está falando. Se ele se refere à família formada por macho, fêmea e prole, esse modelo nunca foi o único. Em diversos grupos humanos houve e há casos de um homem com várias mulheres consideradas legítimas esposas. Há também (se bem que mais raro) casos em que uma mulher possui vários maridos considerados legítimos em seus grupos étnicos. Além disso, em muitos lares da atualidade filhos são criados por outros que não os pais biológicos.

Existem famílias totalmente fora desse padrãozinho reducionista que o Moses defende, como os casais onde cada filho é de um casamento e nenhum deles é filho igualmente do homem e da mulher que agora vivem juntos, mas a harmonia não é menor e nem maior do que em outros lares onde todos estão ligados consangüíneamente. Há famílias de todos os tipos vivendo em harmonia ou em desajuste. Isso depende da maturidade e caráter de cada membro em suas respectivas famílias.

O objetivo de Santolin é, logicamente, o de opor-se ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e à adoção de crianças pelos mesmos - o que é uma crueldade num mundo repleto de órfãos. Nem mesmo a Bíblia pode ser evocada para defender tais idéias reducionistas, pois os patriarcas judeus tinham mais de uma mulher.

Abraão teve Sara, Agar e Quetura, no mínimo. Jacó teve Lia, Raquel, as duas criadas destas e ainda transou com um suposta prostituta que era sua nora disfarçada, porque ele negou-lhe outro filho em casamento quando ela ficou viúva sem descendência. A lei do levirato obrigava-o a conceder-lhe um de seus filhos para levantar descendência ao falecido. Davi teve Bate-Seba (que era de outro homem, a quem ele matou depois de adulterar com ela) e ainda casou com Abigail, mulher de Nabal, a quem ele também matou por causa de uma ofensa. Parece que o rei gostava de cobiçar a mulher do próximo. Salomão teve mil, e por aí vai. Segundo a Bíblia, eles são "santos homens de Deus". Nenhum deles tinha família formada por um só homem uma só mulher e filhos. E o Moses vem falar de família segundo os padrões bíblicos???





Tradução:
Quadro 1: Meu filho, o casamento é uma tradição sagrada que tem que ser preservada.


Quadro 2: Então, a resposta é não. Você não pode tomar uma terceira concubina.



Santolin colocou como objetivo do Moses ressaltar a importância de um devido preparo por parte da liderança evangélica para ajudar pessoas nas questões envolvendo sexo e sexualidade. Que tipo de preparo? Preparo como o de Rozângela Justino, Silas Malafaia, o do próprio Santolin, que não passam de proselitistas fundamentalistas? Esse suposto "preparo" reforça o preconceito.

Os outros objetivos acabam sendo apenas extensão destes. Passemos aos pontos em que o Moses crê, segundo o Santolin.

Ele diz que o trabalho do Moses é centralizado no conhecimento de Deus e na obediência à sua Palavra, a Bíblia Sagrada. Isso levanta diversos questionamentos.


Primeiro, qual conhecimento de deus? De que deus ele está falando? Obviamente, o deus dos evangélicos, que exclui e persegue todos os outros deuses. Não são os deuses da umbanda, nem do candomblé, nem do hinduísmo, nem os deuses chineses, etc. É o deus judaico-cristão. O que ele esquece é que esse deus foi arbitrariamente eleito o único e todo-poderoso. Ele era apenas o deus de Abraão, assim como diversas outras pessoas tinham seus deuses pessoais. Por diversos fatores histórico-culturais, este deus acabou tornando-se o deus de uma nação inteira, mas não o tempo todo. Ele foi deposto, recolocado no altar, algumas vezes sozinho, outras ao lado de outros deuses - e disso a própria bíblia dá conta, se for o caso de citá-la.


Segundo, como garantir que a bíblia é a palavra de deus se nem mesmo temos certeza de que esse deus existe? Mas se ele existe, certamente a origem e a preservação dos livros que compõe a bílbia levantam muitos questionamentos.

Os judeus têm um testamento, os cristãos dois, mas nestes dois testamentos eles acabam divididos, ou seja, católicos têm mais livros, protestantes têm menos. Conclusão, os próprios monoteístas não se entendem e ainda querem que nós aceitemos esse tipo de afirmação vazia - que a suspeitíssima bíblia seja a palavra de um deus cuja existência e caráter são quase uma piada.

Aí, o Santolin vem com essa conversa de que o Moses crê que existe uma sexualidade proposta pela Palavra de Deus. Bem, eu já falei sobre isso no início, mas vale dizer que nunca existiu uma sexualidade só.

A sexualidade humana é múltipla. Nascer com pênis ou vagina diz muito pouco sobre isso, se é que diz alguma coisa. A "divinização" da heterossexualidade serviu a projetos de poder baseados em procriação e multiplicação de mão de obra e de contingentes para os exércitos de povos beligerantes. Os judeus viviam invadindo terras e dominando povos. Era de se esperar que eles valorizassem aquelas relações que gerassem. Por isso tanta preocupação com o sêmem. A própria masturbação era mal vista. Entre os crentes de hoje chega a ser proibida. Uma crueldade com os solteiros, especialmente os mais jovens.

A heterossexualidade é tão natural quanto a homossexualidade, a bissexualidade, dentre outras formas de sexualidade. Basta ler o livro da natureza para perceber isso. Mas o Moses e outros igrejeiros preferem ler o jornal de três mil anos atrás. Se nem o de ontem presta mais, imagine os "barbarismos" desta ultrapassada escritura judaica.

Quando o Santolin diz que o Moses também tem como objetivo ser uma voz de conscientização em favor dos valores da família heterossexual e monogâmica, e dos padrões bíblicos para a sexualidade humana. Os pressupostos teológicos, éticos e antropológicos do Moses estão ancorados na Bílbia, segundo a tradição cristã evangélica, ele só confirma o que eu disse no início. É tudo baseado no mito de Adão e Eva, e os valores deste tipo de família que ele propõe nunca foram os únicos quando se toma em conta os diversos tipos de sociedade que adotaram outros modelos de família.

O que vemos hoje em termos de possibilidades de amar e de se organizar como núcleo familiar é apenas fruto da racionalidade humana. Nenhum dogma pode ser maior do que o amor entre duas pessoas, seja qual for o sexo biológico, especialmente quando envolve a redenção social e econômica de crianças cujo destino seria a miséria e a morte se não encontrassem pais adotivos a tempo - o que não significa que qualquer casal deva adotar, seja hetero ou homossexual, pois muitos não têm estrutura emocional ou financeira para tal empreitada.

Sobre o trabalho de aconselhamento do Moses, Santolin disse o seguinte: Cerca de 95% dos que nos procuram para aconselhamento são freqüentadores ou membros de igrejas evangélicas. Essa colocação já deveria levantar suspeitas por parte dos que a ouvem. Por que será que o evangelho que estes pastores vivem anunciando como poder de deus não resolve o "problema"? Será que só agora surgiu uma "solução"? Dois mil anos depois do nazareno surge o Moses e finalmente uma "solução"?

Ora, se o evangelho é suficiente, por quê esses cerca de 95% dos que procuram o Moses são exatamente os freqüentadores de igrejas evangélicas? O que ele não disse é que muitos não são só "freqüentadores", são líderes (pastores, diáconos, missionários, líderes de departamentos da igrejas, etc.).

Aí ele diz que o caminho é um conhecimento maior da Bíblia e da comunhão com Deus, o que é chamado pelo cristão de Discipulado. Mas não é exatamente isso que a maioria dessas pessoas recebeu a vida inteira ou, pelo menos, desde que chegaram à igreja? Ou o evangelho não faz a mínima diferença, ou a homossexualidade é tão natural que não adianta lutar contra o que é naturalmente dado. Se a homossexualidade é tão natural quanto a heterossexualidade, o resultado de tentar transformar homossexual em heterossexual será tão nulo quanto o inverso. É uma completa estupidez e perda de tempo. Mas não há o que mudar. Tudo que precisa ser feito é reconhecer a legitimidade de todas essas afetividades humanas. E ponto!

Ah, e por falar em um suposto plano de deus para a sexualidade humana e para a família, cabe perguntar por que é que esses ditos ex-gays quando se casam, matam um leão por dia para não voltarem a se relacionar com outro homem, e alguns nunca se casam, como é o caso do Santolin? Ele afirma tanto que o casamento é uma bênção e a forma de deus regular a sexualidade humana, mas ele mesmo não se submete ao jugo. Cada um decide o que fazer. Tudo bem. Ele pode não casar. Jóia. Mas, então, que seja mais discreto quanto a esse tipo de afirmação. A veemência dele parece ser uma tentativa de convencer a si mesmo mais do que aos outros, uma vez que ele continua solteiríssimo...

Grupos e igrejas como o Moses acreditam que é melhor deixar estas crianças à sorte dos orfanatos...



... a vê-las felizes em lares de dois pais ou duas mães como estas sortudas aí embaixo:











Por Sergio Viula

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