Parceria Civil e Adoção por Casais Gays


por Sergio Viula
 

Dizem os especialistas que 37 direitos são negados aos homossexuais por causa da reticência do Congresso e do Senado em aprovar a lei de união civil para casais homoafetivos. Não está aqui computada a privação de tantos outros direitos relacionados a outras questões. É lógico que a união civil representa muito mais do que apenas status de casamento nos moldes da monogamia idealizada, mas muito pouco praticada pelos próprios heterossexuais. A união civil abre caminho para a garantia de vários direitos, tais como herança, planos de assistência e outros benefícios empregatícios, direito a vistos de permanência em caso de casais onde as nacionalidades são distintas, adoção etc.

Isso não quer dizer que todos os gays quererão casar só porque a união civil gay veio a ser regulamentada (caso seja... tomara que seja). Assim como muitos heterossexuais preferem não casar com registro civil, muitos gays também hão de preferir uma relação de parceria "desburocratizada". A questão, porém, não é essa. O ponto aqui é: poderão os gays fazer a opção pela união civil com status de legalidade e com os direitos que esta lhes assegura? Há que haver leis que contemplem tanto gays como heterossexuais, independentemente das opções que cada um fará pessoalmente – casar ou não casar; adotar ou não adotar; se casar em comunhão ou com separação de bens (se bem que isso está caindo em total desuso juridicamente) etc.

Quanto à adoção – que incomoda os fundamentalistas religiosos e aqueles que sofrem de ingenuidade crônica – o princípio é o mesmo: dar aos homossexuais a chance de escolher entre adotar ou não; e, tendo passado por todo aquele processo de seleção que caracteriza a adoção tradicionalmente feita por casais heterossexuais, receber pelas mãos da Justiça o filho ou filha que já amam mesmo sem haverem concebido. A avaliação de cada caso é necessária, pois é preciso saber se o casal gay ou heterossexual tem condições financeiras, estabilidade emocional, cumplicidade nesta decisão etc.

A adoção liberada para casais gays já não está fora do alcance, pois alguns juízes já têm concedido o direito de adotar a alguns homossexuais sem que haja uma lei específica, pois nada há que impeça a adoção dentro da legislação vigente. Além disso, gays podem gerar. Eu mesmo sou pai de dois filhos cada dia mais lindos! Não sou o único. Há gays que são pais porque casaram com alguém do outro gênero e vieram a ser pais ou mães. Há gays que fizeram sexo com outra pessoa só para gerar, sem compromisso de casamento. Há gays que fizeram inseminação artificial e geraram seus próprios filhos etc. Portanto, dizer que gays ou lésbicas não podem ser pais e mães é uma idiotice, coisa de quem não conhece os fatos, pois inúmeros gays e lésbicas são pais e mães e seus filhos andam entre nós sem que sequer percebamos a diferença entre os filhos de pais homossexuais e os filhos de pais heterossexuais.

É imbecilidade querer impedir os homossexuais de viverem suas potencialidades ao máximo, seja como cônjuges, profissionais, pais etc. Haverá sempre um jeito, mas o melhor de todos é aquele que tem como base a justiça, e essa lei da parceria civil está totalmente imbuída daquele espírito e dignidade que caracterizam o conceito de direitos fundamentais de todo ser humano, sem discriminação de gênero, raça, nacionalidade, sexualidade etc.

Há que se dizer, porém, que ser pai ou mãe nunca é fácil. É uma responsabilidade para o resto da vida. Demanda amor, atenção, recursos financeiros, noites insones por motivo de doença (e elas são mais numerosas do que se imagina), e por aí vai.

É preciso ter uma cabeça muito bem resolvida para não impor ao filho aquilo que tanto nos incomodou quando estávamos na mesma fase que eles, e ao mesmo tempo saber orientar quando preciso.

Sobre a ideia que alguns têm de que um casal gay pode não ser um bom padrão para a criança, vale dizer que isso baseia-se em preconceitos pessoais, não em fatos. Casais heterossexuais têm sido a maior fonte de problemas emocionais para as crianças, e ninguém pensa em abolir o casamento heterossexual. É pai que espanca a mãe; pai e mãe que espancam os filhos; pai que abusa sexualmente das filhas; mãe que vive dizendo que o pai não presta; pai que vive chamando a mãe de vagabunda; pai que vive traindo a mãe e vice-versa; pai e/ou mãe bebendo horrores na frente dos filhos; pais que usam drogas na presença dos filhos e ainda mandam as crianças comprarem os entorpecentes na boca de fumo.

Enquanto isso, existem vários casais gays sendo pais maravilhosos; alguns já até avós!!! A questão não é de sexualidade, mas de caráter, de ética pessoal. Tanto faz se o indivíduo é gay ou heterossexual.

Entretanto, do mesmo jeito que alguns indivíduos heterossexuais jamais deveriam ser pais, alguns gays também jamais deveriam gerar ou adotar filhos. É preciso avaliar a si mesmo, as condições que se tem e o que se quer da vida antes de assumir um compromisso que não tem retorno. Isso vai do bom senso do indivíduo e, em caso de adoção, da coerência e perspicácia das autoridades responsáveis pela concessão da adoção.

Além disso, a questão não é simplesmente se pais gays podem criar filhos saudáveis e equilibrados, mas se pais adotivos heterossexuais saberiam lidar com a possível homossexualidade do filho que querem adotar ou que já adotaram. Sim, porque crianças não vêm com rótulo de fábrica. Fico pensando: se um casal homofóbico adotar uma criança e posteriormente descobrir que se tratava de um filho gay ou uma filha lésbica, será que saberiam esses pais heterossexuais lidar com essa questão de modo tranquilo, equilibrado, dando espaço para que a identidade dessa criança se desenvolva sem pressão para ser diferente do que é? Pais gays e mães lésbicas podem lidar com filhos heterossexuais, mas será que pais heterossexuais necessariamente saberiam lidar com filhos homossexuais? Quem adota geralmente vai pra "fila de espera" cheio de expectativas e idealizações. Será que os heterossexuais pensam nisso? Eu mesmo já namorei um cara que era filho adotivo e era gay, obviamente. Para complicar ainda mais, os pais dele eram evangélicos. Ou seja, dois evangélicos adotam um bebezinho homossexual (a vida é irônica mesmo!!!).

Pode soar estranho para alguns, mas bebês são gente, e gente pode ser gay, heterossexual ou bissexual. Aparentemente, a bissexualidade é muito mais numerosa do que a heterossexualidade ou a homossexualidade – o que significa que são pequenas as chances de que os filhos sejam garantidamente heterossexuais. As probabilidades tendem muito mais para a bissexualidade. E ainda existe a possibilidade da homossexualidade exclusivamente. Estarão os pais heterossexuais preparados para todas essas possibilidades?

A pergunta, portanto, não é simplesmente se uma criança pode ser feliz com pais gays, mas se pais heterossexuais saberiam ser felizes com filhos gays e criar as condições para que esses filhos fossem felizes tais como são. Se a resposta for não, é temerário conceder adoção aos candidatos heterossexuais.

Felizmente, muitos casais heterossexuais têm aprendido a lidar com seus filhos gays sem grandes atritos. Há outros, porém, que fazem monstruosidades com essas crianças e adolescentes logo que percebem qualquer sinal de homoafetividade.

Uma coisa é certa: um pai/mãe solteiro – gay ou não – e um casal – gay ou não – se forem equilibrados e capazes de amar incondicionalmente um filho, serão melhores para as crianças abandonadas do que dez mil orfanatos de primeiro mundo!

Enquanto isso, alguns fundamentalistas tentam embargar o avanço do direito e da justiça àqueles que por tempo demais já foram injustiçados, discriminados, rotulados. Mas todo o esforço deles vai dar em nada se a própria sociedade e o governo quiserem realmente construir um mundo mais justo, mais saudável e com mais amor.

Se você deseja copiar esse texto para outro site, fique à vontade. Só peço que copiem a parte negritada com o crédito de autoria: Sergio Viula (Blog Fora do Armário). Valeu. 💗

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