
“O amor é a alegria acompanhada da ideia de uma causa externa” (Spinoza)
A alegria, segundo o filósofo moderno Spinoza, é o sentimento que fortalece a vida, enquanto a tristeza a enfraquece. Como “toda coisa, enquanto está em si, se esforça por permanecer no seu ser” (Ética III, prop. 6), é natural que os seres humanos valorizem a alegria mais que tudo. E a esse esforço por permanecer em seu ser, Spinoza chama conatus (esforço em latim).
Todavia, por alegria, Spinoza entende algo bem diferente da euforia que certas experiências ou substâncias podem criar. A alegria é um sentimento que fortalece nosso conatus e enriquece nossa capacidade potencial: alegria, tristeza e desejo, são fundamentais para a manutenção do conatus, já que é através deles que podemos acrescentar essência a nossa existência.
Deixando Spinoza por um momento, sem abandoná-lo (rs), é fato que existe alegria em coisas tão simples quanto comer quando se tem fome, beber quando se tem sede, dormir quando se tem sono, sentir-se protegido, acolhido, amado. Inversamente proporcional ao efeito da alegria sobre o fortalecimento do ser, a tristeza enfraquece, esvazia a potência de viver. No entanto, ela é útil, caso ao tentarmos evita-la, aprendamos a nos afastar daquilo que a promove.
E o amor? O amor, voltando a Spinoza, é a alegria acompanhada de uma ideia de causa externa. Ou seja, atribuímos a alegria que sentimos quando estamos na presença do objeto de nosso amor a esse objeto mesmo e, por isso, queremos mais dele; queremos passar mais tempo com ele; queremos fazer-lhe bem do mesmo modo que pensamos que ele nos faz. Por isso, o amor não faz mal ao seu objeto. Mas, até nisso é preciso que o amante faça bom uso da razão para não sufocar o amado com algum comportamtento ciúmento ou possessivo. Uma boa dose de racionalidade é proveitosa até para o amor.
Digo que amo meus filhos, porque a mera existência deles me enche de profunda alegria. Digo que amo meu marido, porque só a ideia de que ele existe e que me faz bem me enche de alegria. Por isso, amar faz tanto bem à vida – porque o amor é alegria! E que amor poderia ser mais fortalecedor do que o amor próprio? Sim, porque ele é nossa alegria encontrando sua razão de ser em nós mesmos – alegria que me alimenta produzida a partir de mim mesmo. É quase uma fotossíntese existencial, sendo o ódio ou desprezo por si mesmo o inverso disso: tristeza que enfraquece e destrói o ser.
Por que alguns homossexuais sofrem tanto? Talvez a resposta esteja aí mesmo. Falta-lhes amor – essa alegria acompanhada da ideia de uma causa externa. E não parece estranho que a palavra mais usada para homossexual no mundo hoje seja “gay”, isto é, alegre?
Mas, que não se conclua precipitadamente que os homossexuais não amam ou não experimentam a alegria da qual a palavra “gay” fala tão belamente. Eu mesmo acabei de citar quatro dos meus amores: meus dois filhos, meu parceiro e eu mesmo! Há outras pessoas que eu amo – meus pais, por exemplo. Amo até minha faceira e peralta cachorrinha – a alegria em pessoa (pessoa?) kkkk
Mas voltando ao amor próprio, eu diria que amar-se é regozijar-se em si mesmo! E isso é fundamental para a saúde física e psíquica – tudo isso igualmente corpo! E é também o melhor caminho para enxergar no outro o que ele tem de melhor e alegrar-se nisso. E se me alegro de modo tão especial em função do outro, é claro que vou querer mantê-lo próximo e tornar sua existência tão feliz quanto acredito que ele torne a minha. Quando isso acontece em via de mão dupla e em proporções semelhantes, eis aí um grande amor. E esse amor pode ser – e, de fato tem sido – experimentado por pessoas de todos os gêneros e orientações sexuais: homens e mulheres bi, hetero, homo, trans, enfim.
Todos desejamos! E só desejamos aquilo que nos parece bom. Porém, aquilo só nos parece bom, porque o desejamos. E isso diz muito a respeito de nós mesmos, mais até do que sobre os outros, sejam pessoas, coisas, animais, experiências, memórias, enfim. Achamos bom aquilo que nos dá ou aumenta a alegria que sentimos, e por isso mesmo não há quem possa desprezar o objeto de seu amor, porque o objeto de seu amor é aquilo que está associado a sua mais pura e intensa alegria. Quando amamos consideramos a pessoa amada a melhor pessoa do mundo! Mas, nós a amamos porque ela é mesmo a melhor pessoa do mundo ou ela nos parece a melhor pessoa do mundo porque a amamos?
Amor é alegria, e a alegria fortalece a potência da vida. Cultive seu amor, aumente sua alegria, e sua vida permanecerá forte e saudável enquanto for possível perseverar no seu ser. E isso, ao contrário do que muita gente pensa, não é apenas uma questão emocional. A razão está – e precisa mesmo estar – profundamente relacionada à alegria e ao desejo. E à medida que a razão se desenvolve, o nosso conhecimento aumenta e nos torna capazes de organizar nossas relações com o mundo de modo a incentivar o predomínio das paixões alegres sobre as tristes.
Vale lembrar que, conquanto o cultivo das paixões alegres seja importante, ele não é objetivo principal da vida racional e nem da ética. O que interessa mesmo é deixar de ser passivo diante das afecções e afetos e agir de modo racional. O desenvolvimento da razão, principalmente quando formamos noções comuns sobre a própria vida afetiva, é acompanhado de técnicas que permitem atenuar os efeitos da imaginação e do conhecimento sensível que regem a vida passional. Assim, pouco a pouco, todas as relações cognitivas e afetivas da vida mental vão sendo transformadas em proveito para a atividade. E como ninguém nasce absolutamente livre, resta-nos criar a liberdade a partir do reconhecimento do que sou e do que posso ser. Para Spinoza, a liberdade é a identidade de si consigo. E não é isso exatamente o que mais desejamos: sermos simplesmente idênticos a nós mesmos, ou seja, pensar, sentir e agir de acordo com nosso próprio ser? Não dá para ser feliz tentando ser outro que não si mesmo. Não me admira que tenha enfraquecido soterrado pela tristeza típica do “armário” e de tudo o que ele representava para mim, e que tenha me sentido intensamente vivo a partir do momento em que sintonizei a minha própria frequência existencial fora dele. Esta, porém, foi apenas uma – talvez a mais importante – mudança que eu fiz para viver essa identidade de mim comigo. E foi ela que também me proporcionou a oportunidade de viver intensa e publicamente o amor que sinto por quem, felizmente, me ama do mesmo jeito.
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