Deus nos livre de um Brasil evangélico (por Ricardo Gondim)

Deus nos livre de um Brasil evangélico



Pastor Ricardo Gondim (Igreja Betesda de São Paulo)


Começo este texto com uns 15 anos de atraso. Eu explico. Nos tempos em que outdoors eram permitidos em São Paulo, alguém pagou uma fortuna para espalhar vários deles, em avenidas, com a mensagem: “São Paulo é do Senhor Jesus. Povo de Deus, declare isso”.

Rumino o recado desde então. Represei qualquer reação, mas hoje, por algum motivo, abriu-se uma fresta em uma comporta de minha alma. Preciso escrever sobre o meu pavor de ver o Brasil tornar-se evangélico. A mensagem subliminar da grande placa, para quem conhece a cultura do movimento, era de que os evangélicos sonham com o dia quando a cidade, o estado, o país se converterem em massa e a terra dos tupiniquins virar num país legitimamente evangélico.

Quando afirmo que o sonho é que impere o movimento evangélico, não me refiro ao cristianismo, mas a esse subgrupo do cristianismo e do protestantismo conhecido como Movimento Evangélico. E a esse movimento não interessa que haja um veloz crescimento entre católicos ou que ortodoxos se alastrem. Para “ser do Senhor Jesus”, o Brasil tem que virar “crente”, com a cara dos evangélicos. (acabo de bater três vezes na madeira).

Avanços numéricos de evangélicos em algumas áreas já dão uma boa ideia de como seria desastroso se acontecesse essa tal levedação radical do Brasil.

Imagino uma Genebra brasileira e tremo. Sei de grupos que anseiam por um puritanismo moreno. Mas, como os novos puritanos tratariam Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Maria Gadú? Não gosto de pensar no destino de poesias sensuais como “Carinhoso” do Pixinguinha ou “Tatuagem” do Chico. Será que prevaleceriam as paupérrimas poesias do cancioneiro gospel? As rádios tocariam sem parar “Vou buscar o que é meu”, “Rompendo em Fé”?

Uma história minimamente parecida com a dos puritanos provocaria, estou certo, um cerco aos boêmios. Novos Torquemadas seriam implacáveis e perderíamos todo o acervo do Vinicius de Moraes. Quem, entre puritanos, carimbaria a poesia de um ateu como Carlos Drummond de Andrade?

Como ficaria a Universidade em um Brasil dominado por evangélicos? Os chanceleres denominacionais cresceriam, como verdadeiros fiscais, para que se desqualificasse o alucinado Charles Darwin. Facilmente se restabeleceria o criacionismo como disciplina obrigatória em faculdades de medicina, biologia, veterinária. Nietzsche jazeria na categoria dos hereges loucos e Derridá nunca teria uma tradução para o português.

Mozart, Gauguin, Michelangelo, Picasso? No máximo, pesquisados como desajustados para ganharem o rótulo de loucos, pederastas, hereges.

Um Brasil evangélico não teria folclore. Acabaria o Bumba-meu-boi, o Frevo, o Vatapá. As churrascarias não seriam barulhentas. O futebol morreria. Todos seriam proibidos de ir ao estádio ou de ligar a televisão no domingo. E o racha, a famosa pelada, de várzea aconteceria quando?

Um Brasil evangélico significaria que o fisiologismo político prevaleceu; basta uma espiada no histórico de Suas Excelências nas Câmaras, Assembleias e Gabinetes para saber que isso aconteceria.

Um Brasil evangélico significaria o triunfo do “american way of life”, já que muito do que se entende por espiritualidade e moralidade não passa de cópia malfeita da cultura do Norte. Um Brasil evangélico acirraria o preconceito contra a Igreja Católica e viria a criar uma elite religiosa, os ungidos, mais perversa que a dos aiatolás iranianos.

Cada vez que um evangélico critica a Rede Globo eu me flagro a perguntar: Como seria uma emissora liderada por eles? Adianto a resposta: insípida, brega, chata, horrorosa, irritante.

Prefiro, sem pestanejar, textos do Gabriel Garcia Márquez, do Mia Couto, do Victor Hugo, do Fernando Moraes, do João Ubaldo Ribeiro, do Jorge Amado a qualquer livro da série “Deixados para Trás” ou do Max Lucado.

Toda a teocracia se tornará totalitária, toda a tentativa de homogeneizar a cultura, obscurantista e todo o esforço de higienizar os costumes, moralista.

O projeto cristão visa preparar para a vida. Cristo não pretendeu anular os costumes dos povos não-judeus. Daí ele dizer que a fé de um centurião adorador de ídolos era singular; e entre seus criteriosos pares ninguém tinha uma espiritualidade digna de elogio como aquele soldado que cuidou do escravo.

Levar a boa notícia não significa exportar uma cultura, criar um dialeto, forçar uma ética. Evangelizar é anunciar que todos podem continuar a costurar, compor, escrever, brincar, encenar, praticar a justiça e criar meios de solidariedade; Deus não é rival da liberdade humana, mas seu maior incentivador.

Portanto, Deus nos livre de um Brasil evangélico.

Comentários

  1. kkkkkkkkkkk Eu ADORO o Ricardo Gondim!
    Provavelmente ele seria o primeiro a ir prá fogueira.
    Eu tb!
    Bjs, Sergíssimo!

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  2. Isso aí, Silvinha! Que máximo te ver aqui.

    Beijãoooo!
    Sergio Viula

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  3. Hoje escrevi no Confessium que sou religioso, mas não sigo nenhum dogma. Desde que cheguei ao Brasil e perante o fanatismo com que se encara a religião, por aqui, nomeadamente esses tais de evangélicos, quase passei a odiar a religião, qualquer uma.
    Qualquer nação completamente entregue nas mãos de evangélicos seria um ressuscitar dos piores momentos do nazismo.

    Beijos

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  4. Tem toda razão, ManDrag.

    Obrigado por contribuir com seu comentário. Já estava com saudade.

    Abração,
    Sergio Viula

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  5. Olá já fui evangélico também,esse texto é exatamente o que vemos na sociedade religiosa, é isso! Eles se acham donos da verdade, resumindo... é a religião mais preconceituosa que existe, conheço católicos, espíritas e nunca vi agressividade de nenhum deles, o que acontece é que evangélicos seguem a ignorância e não pratica o que pregam. Eis aí este povo desprezível.

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  6. Vlw, Jeomax! Adorei o comentário!

    Seja sempre bem-vindo a esse espaço.

    Abração,
    Sergio Viula

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  7. Sempre que vejo o nome "evangélico", na minha cabeça a relação é "= NAZISTA".. Não acho que seja exagero meu, já vi mtos deles cometerem atos dignos do regime e, passar a utilizar câmaras de gás e campos de concentração seria apenas um passo. Sou lésbica e morro de medo do crescimento dessa gente, a ignorância sim é o Deus deles e uma nação em suas mãos, significaria, se não apenas ua tentativa de lavagem cerebral em massa, ditadura e genocídio...

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  8. Concordo plenamente, Jacqueline! Obrigado pelo comentário direto ao ponto e super apropriado.

    Beijo, meninaaa!
    Sergio Viula

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  9. Jacqueline e demais leitores, deem uma olha nesse texto de Ivone Pita sobre visibilidade lésbica. É muito bom:

    http://politicaativa.gay1.com.br/2011/08/lesbicas-orgulho-e-visibilidade.html

    Abraço,
    Sergio Viula

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  10. Obrigada pelo elogio! Seu blog já foi pra minha lista de favoritos! E vou dar uma olhada no texto sobre visibilidade lésbica!

    Bjoooooooo

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  11. Adorei o texto do Pr. Ricardo Gondim! Isso, sim, é pastor equilibrado. Bom seria que todos os pastores fossem como ele. Mas este paraíso espiritual não existe. Ta aí um texto que todo evangélico deveria ler, para rever os seus conceitos de cristianismo e adotar algumas atitudes mais equilibradas e menos destrutivas. Um beijo, brother.

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