Nome apagado de propósito para dar a César o que é de César...
VEJA ABAIXO COMO O JORNALISTA DESSA REVISTA EVANGÉLICA ME ABORDOU PELO FACEBOOK PARA OBTER A ENTREVISTA.
NENHUMA DAS MINHAS RESPOSTAS FOI PUBLICADA.
A REVISTA SE RESTRINGIU A COLOCAR UMA FOTO MINHA COM UM DEPOIMENTO QUE PODERIA TER SIDO TIRADO DO MEU PERFIL NO FACEBOOK OU NO TWITTER.
OBVIAMENTE, ELES ESPERAVAM QUE PUDESSEM ATACAR ALGO QUE EU DISSESSE, MAS COMO NADA DO QUE EU DISSE NA ENTREVISTA PODERIA SER APROVEITADO PARA O ACHINCALHE, ELES NÃO SE ATREVERAM A PUBLICAR O CONTEÚDO (PARCIAL OU INTEGRAL) DAS MINHAS RESPOSTAS.
COM A COLOCAÇÃO DA MINHA FOTO, ELES PRETENDEM DAR UM AR DE IMPARCIALIDADE, MAS NÃO PASSA DE MAIS UM TRUQUE DESSA MÍDIA EVANGÉLICA PARA SE PROMOVER E ENXOVALHAR OS HOMOSSEXUAIS MAIS UMA VEZ.
UMA COISA É CERTA: QUEM NÃO DEVE NÃO TEME. ESSE É O MEU CASO: NÃO DEVO E NÃO TEMO. POR ISSO, FALO O QUE PENSO QUANDO QUERO E PARA QUEM BEM ENTENDER.
SÓ UMA COISA MAIS: SÓ DEI ESSA ENTREVISTA PARA O JORNALISTA ABAIXO, PORQUE CONHEÇO O MESMO HÁ MAIS DE 20 ANOS E DECIDI CONCEDER O BENEFÍCIO DA DÚVIDA, SÓ PARA CONFIRMAR QUE NÃO DÁ PARA LEVAR ESSE SEGMENTO EVANGÉLICO FUNDAMENTALSITA E HOMOFÓBICO A SÉRIO MESMO.
CONFIRAM.
LEIA A ABAIXO A ENTREVISTA (NÃO PUBLICADA)
NA ÍNTEGRA:
1) Sua
"saída do armário" fui ruidosa em face de seu passado como militante
evangélico - inclusive, no Moses - e como pastor de uma denominação evangélica
conservadora, a Batista. Passado todo este tempo desde que assumiu a
homossexualidade, como você se sente em relação a esta decisão, sob o ponto de
vista religioso? Você diria que abandonou aquela fé ou ainda crê em Deus - e,
se sim, de que modo expressa essa devoção?
Meus questionamentos sobre a validade das doutrinas
cristãs como "a verdade" começaram bem antes da minha saída do
armário. Inicialmente, eu tentava evitar colocar certas pretensões de verdade e
seus discursos totalizantes em cheque, porque sentia o que a maioria dos
crentes sente: medo de descrer ou de pecar contra o Espírito Santo. Porém, até
essa restrição passou a ser uma questão com o tempo: E se essa ameaça de juízo
a quem blasfemasse contra o Espírito Santo fosse apenas um artifício
autoral ou posteriormente adicionado por tradutores para evitar justamente os
questionamentos que eu fazia então, e que milhões provavelmente fizeram antes
de mim, justamente porque os próprios autores ou tradutores percebiam a
fragilidade de suas declarações sobre o que as escrituras cristãs declaram como
"a verdade"?
Decidi levar adiante essa minha inquirição pelas bases de tudo o que eu mesmo
havia construído até então. Eu era pastor batista tradicional, de acordo com
certas classificações que se popularizaram no meio evangélico -, mas já havia
sido pentecostal; era co-fundador do MOSES (Movimento pela Sexualidade Sadia),
editor do Jornal Desafio das Seitas (do Centro de Pesquisas Religiosas);
professor do Seminário Betel (RJ); e tinha um ardoroso espírito missionário que
me levara a deixar tudo para trabalhar com a Operação Mobilização (OM),
antes mesmo de ser pastor. Apesar de tanto para fazer, não conseguia evitar os
questionamentos que se acumulavam sobre a suposta faticidade dos relatos
bíblicos, especialmente aqueles que se referiam a milagres, assim como a
eticidade de certos mandamentos ou ordenanças, que não fazem jus à ideia de um
deus perfeitamente bom e justo.
A primeira etapa da minha inquirição foi concluída e o resultado é sabido:
descartei as escrituras cristãs como verdade ou revelação genuinamente divina.
A segunda etapa foi justamente inquirir sobre que razões eu teria para
acreditar que há um deus ou mais de um deus de fato. Ou seja, haveria evidência
inquestionável ou necessidade lógica incontornável que me permitisse afirmar
que "há um deus" ou que "há deuses"? Se não, por que
permanecer num ministério que não corresponde àquilo que penso? O caminho mais
honesto seria renunciar esse ministério. E foi o que fiz. Mas, por que
continuar indo à igreja se deixei de crer no objeto de sua adoração? Por isso,
pedi exoneração do rol de membros também.
Acontece que outra questão (não a mesma questão) estava posta havia muito tempo
também e eu havia tentado evitar, de todas as formas, confronta-la. A questão
era simples: Por que as pessoas homoafetivas que procuram os grupos e/ou
"terapias de reversão" não mudam de fato? Eu havia passado 18 anos na
igreja. Durante esse tempo, havia lançado o MOSES juntamente com João Luiz
Santolin e Liane França em 1997, e trabalhado seis anos com eles. Apesar de
tudo, não via mudança na orientação sexual de ninguém, nem mesmo na minha. A
homoafetividade continuava constituindo minha personalidade e identidade,
apesar de meus 14 anos de casado, dois lindos filhos e ministério eclesiástico
frutífero.
Um segundo questionamento abre caminho pela trincheira de defesa
pessoal que eu havia construído contra qualquer coisa que se interpusesse entre
minhas crenças e minha prática. O questionamento foi o seguinte: Por que uma
pessoa homoafetiva deveria deixar de viver e amar do seu jeito para se adequar
a uma suposta normatividade heterossexual (ou como se diz, à
"heteronormatividade"), para início de conversa? A resposta é
simplesmente: Não deveria.
Toda a justificativa construída pelos segmentos evangélicos que condenam a
homoafetividade (nem todos o fazem) se baseia em apenas seis passagens
bíblicas. Vícios de tradução acumulados ao longo de milênios e anacronismo
histórico-crítico agravam o equívoco dessas interpretações. Além disso, as
escrituras cristãs não são capazes de demonstrar sua superioridade diante de
qualquer outro livro sagrado. A título de exemplificação, basta comparar o
Corão e a Bíblia, e observar do que são capazes certos muçulmanos em nome de
seu livro sagrado e do que são capazes certos cristãos em nome das escrituras
cristãs. Deuses diferentes, escrituras distintas, mas comportamentos
semelhantes. E me refiro ao comportamento do dia a dia.
Destaco que, à ideia de que alguns muçulmanos são terroristas, contraponho a
ideia de que alguns cristãos também o são. E, caso a memória de alguns tenha se
enfraquecido ao longo do tempo, destaco o grupo IRA da católica Irlanda, e a
protestante Ku Klux Klan dos originalmente protestantes EUA, a título de
exemplificação. Há outros fatos históricos mais antigos que também poderiam ser
colocados aqui. Se alguém pode dizer que eles não são cristãos de verdade,
também seria possível dizer que os terroristas islâmicos também não são
muçulmanos de fato. Todavia, os dois livros sagrados dão margem ao terrorismo
tanto quanto à homofobia, se interpretados conforme as tradições mais
extremistas. Agora, se cristãos e muçulmanos esclarecidos podem (e devem) evitar
o terrorismo, também podem (e devem) evitar a homofobia.
2) Hoje,
como você se relaciona com antigos amigos de igreja e com sua família, que é
evangélica? Passados estes anos todos, alguém ainda tenta, digamos,
"reconvertê-lo" ao Evangelho? Como você reage - ou reagiria - a isso?
Minha convivência com antigos amigos da igreja é
rara, porque não frequento os mesmos espaços dominicalmente, mas muitos falam
comigo pelas redes sociais ou quando visitam meus pais. Existem, porém, alguns
que evitam até chegar perto de mim (risos). Meus pais há alguns anos convivem
bem comigo e com meu parceiro, inclusive. Estamos juntos há seis anos (desde
2007). Meus filhos sempre conviveram maravilhosamente comigo e tenho muito
orgulho da postura dos dois. Agora, isso não é esmola. Isso é uma questão
lógica, ética, racional. Se eu sempre fui um pai presente, atuante, apoiador,
protetor, encorajador, o resultado deveria ser esse mesmo - ter filhos amáveis,
carinhosos, parceiros. Se fosse diferente, lamentaria, mas seguiria em frente.
Ninguém é obrigado a conviver comigo, mas eu também não sou obrigado a correr
atrás de ninguém. Felizmente, nós três nos amamos e nos orgulhamos uns dos
outros. Quanto aos meus pais, inegavelmente, eles gostariam que eu ainda
acreditasse no evangelho, mas não pregam mais para mim, porque consideram que
eu já sei o suficiente e porque preferem minha companhia ao distanciamento. Eu
também prefiro a convivência construtiva e carinhosa. Isso não quer dizer que
eles tenham que pensar como eu ou que eu tenha que pensar como eles. Não sou
intolerante. Por exemplo, minha mãe sempre ora antes das refeições, e eu
respeito seu costume. Meu filho vai à igreja regularmente. Lá, ele toca
guitarra, violão, canta, participa de atividades de jovens. Minha filha não
curte a programação da igreja, mas acredita na maior parte das doutrinas
bíblicas. Quanto às pessoas que tentam pregar para mim (geralmente são as que
não sabem do meu passado eclesiástico), tomo a seguinte postura: Se elas puxam
conversa sobre religião, dou minhas razões para não crer e procuro encerrar
antes que se torne uma discussão inútil. Desafiar a crença dos outros não é meu
esporte favorito. Não debato o que as pessoas creem, a menos que isso interfira
nas liberdades de outras pessoas, principalmente nas minhas (risos).
Agora, se o indivíduo fica me importunando nas redes sociais, mesmo depois de
toda minha "etiqueta", deleto o que ele disse. Se insistir, bloqueio
qualquer contato com ele. E a vida continua. Ouvido não é lugar de pentelho.
Perguntas honestas, por outro lado, nunca são ignoradas.
3) Nos
últimos meses, uma indisfarçada animosidade tem colocado em campos opostos
setores da Igreja Evangélica e do movimento gay. Embora personagens caricatos
como Malafaia e Feliciano não expressem a totalidade do pensamento da Igreja, é
evidente que os evangélicos médios sentem-se incomodados com a popularização e
até com a valorização de um estilo de vida liberal no quesito da sexualidade -
sentimento expresso toda vez que um artista como Daniela Mercury faz a defesa
do comportamento homossexual, por exemplo. Nesse ambiente, propostas como a do
PL 122/06 chegam a assustar, uma vez que poderia haver, realmente, uma
cultura favorável à restrição de discursos ou posturas avessos à
homossexualidade - o que, naturalmente, feriria a democracia que os grupos
gays dizem defender. Como homossexual e personagem ativo na difusão de ideias
inclusivistas e crítico da chamada homofobia, como você se posiciona diante
desta animosidade? Você não acha que a "balança" tem pendido mais
para um lado quando se olha a mídia, a academia e o establishment?
Penso que a ideia de que pessoas LGBT (lésbicas,
gays, bissexuais e transgêneros) devem ser toleradas, desde que não falem, não
casem, não exijam respeito é indigna de quem pensa em categorias humanistas.
Quem defende posturas que passem por essa política de invisibilização e
silenciamento da população LGBT não pode ser levado a sério. O mundo, de um
modo geral, está avançando nessa compreensão. Os setores ou segmentos
religiosos que respiram o ar viciado de seus próprios templos, sem olharem o que
acontece à sua volta com genuíno interesse em compreender essas mudanças, estão
perdendo o bonde da história e tornando-se cada vez mais obsoletos, para não
dizer prejudiciais aos que aceitam acriticamente o que eles insistem em afirmar
como essencial e necessário, quando está claro que suas ideias excludentes da
parcela LGBT da população não são essenciais e nem necessárias à vida
comunitária de suas próprias agremiações religiosas.
Quanto à academia, esta deve trabalhar com dados científicos. Se a pergunta
passa, por exemplo, pela "pseudo-psicologia" de pretensos
"curandeiros" da homossexualidade, a academia faz muito bem em
verificar suas premissas, procedimentos e conclusões e descarta-los na medida
em que fica cada vez mais claro que não passam de doutrinas religiosas
maquiadas com terminologia sofisticada (às vezes, nem tão sofisticada também),
sem qualquer fundamentação ou demonstração científica.
Já a mídia deve, no melhor das suas forças, trabalhar pela informação
responsável, ou seja, verificada e confirmada como factual. Além disso, a mídia
tem responsabilidade social. Ela pode veicular o que dizem os extremistas de
qualquer espécie, mas não pode legitimar esse discurso, caso contrário ela
prestaria um desserviço à sociedade, para dizer o mínimo.
Além disso, as diferentes pregações evangélicas já ocupam muito espaço na
mídia. O que deveria ser questionado é por que outras religiões não têm as
mesmas oportunidades. Seria interessante ver budistas, candomblecistas, hindus
terem as mesmas oportunidades. Mais ainda, seria interessante ver quem não se
enquadra em religião alguma falar sobre temas de interesse geral - ateus,
agnósticos, céticos, etc. O resumo da ópera é: de que reclamam os evangélicos
em relação à exposição na mídia? Até rede de TV (concessão pública!!!), o
crentes possuem. Sem falar nas rádios, jornais, revistas, etc. E se isso
é feito com dinheiro próprio, quanto dinheiro próprio essas organizações têm
acumulado! E por que não pagam impostos já que movimentam tantas cifras? Essas
questões deveriam ser colocadas.
Sobre o establishment, este ainda não evoluiu tudo o que precisa.
Existem pessoas destacadas na política, na economia, nas artes, nas ciências,
na educação, na saúde, etc. trabalhando pela inclusão. Não se confunda
visibilidade com inclusão. Há uma tendência dos inimigos dos direitos das
pessoas LGBT em misturar os dois conceitos. Muito precisa ser feito em termos
de inclusão até que os direitos sejam realmente iguais. Agora, se isso é
necessário é porque essa parcela da população a quem chamamos LGBT ainda não
foi devidamente incluída. Quando tiver sido, não será mais preciso falar em
inclusão.
Sobre o PLC 122/06, trata-se de um projeto de lei que visa reduzir a violência
contras as pessoas sexodiversas. Não consigo imaginar o Jesus representado
pelos evangelhos se opondo a isso. Se ele disse "Dai, pois, a César o que
é de César, e a Deus o que é de Deus", penso que não veria problema na
paráfrase: "Ao Estado o que é do Estado, e às igrejas o que é das
igrejas". O princípio do Estado laico é bom para todos, inclusive para os
crentes pessoalmente, pois terão a certeza de que sempre poderão cultuar sem
perseguição, mesmo quando esta venha de outros crentes. Afinal, o Estado laico,
democrático, de direito e pluralista garante a liberdade de culto sem
determinar como, quando ou se - sequer - devemos cultuar. A igreja deve respeitar o
mesmo princípio e não ficar tentando impedir que o Estado faça seu trabalho,
que inclui a proteção dos grupos político-sócio-economicamente vulneráveis, quer
estejam em pequeno ou grande número.
Como humanista, alegra-me ver que diversos setores religiosos estão despertando
para a violência simbólica e institucional praticadas por suas organizações ou
outras, e estão corrigindo isso, além de se engajarem na luta por mudanças que
só tornarão a vida mais feliz e mais leve para todos e todas.
4) Para
você, a queixa evangélica de patrulhamento nessa questão corresponde à
realidade? Por quê? Caso contrário, a quem interessaria a disseminação da ideia
do risco de uma "ditadura gay"?
A ideia de patrulhamento
pró-LGBT como se isso fosse equivalente a um patrulhamento anti-evangélico não
corresponde à realidade. Trata-se de uma falácia para confundir as discussões
que realmente interessam a todos. Entretanto, é legítimo que organizações não
governamentais respondam a declarações ou ações abusivas contra a comunidade
LGBT. Seria uma omissão injustificável que pessoas declaradamente anti-gays ou
anti-direitos LGBT (o que para mim dá no mesmo) se organizassem para impedir a
efetivação de direitos que viabilizam uma biografia feliz e produtiva a milhões
de pessoas sexodiversas, e as pessoas diretamente afetadas, nesse caso, LGBT,
ficassem caladas. Quando as pessoas afetadas recorrem às instâncias que podem
(e devem) defender o cidadão, logo surge um punhado de fundametalistas
ressentidos de sua impossibilidade de concretizar uma agenda de silenciamento e
invisibilização da população LGBT alegando que trata-se de uma ditadura gay.
Isso me faz imaginar um punhado de nazistas ressentidos da falência de seu
projeto de extermínio de judeus reclamando que haverá o risco de uma
"ditadura sionista" se os judeus passarem a ser tratados em pé de
igualdade com os demais cidadãos alemães.
Muita gente repete essa falácia criada por fundamentalistas evangélicos
americanos e divulgada por um certo escritor homofóbico brasileiro, agora
vivendo nos EUA, copiada por um pastor milionário que fez fortuna falando mal
de outros pastores, igrejas, grupos sociais, e repetida por um ou outro
psicólogo de formação precária embevecido de preconceitos, entre outros.
Esse tipo de terrorismo psicológico foi feito também quando se pensava na
abolição da escravatura, tanto no Brasil como nos EUA. Quem diria - se fosse
hoje - que, se os negros forem libertos, os brancos morrerão de fome? Ou que se
os negros ascenderem socialmente, eles se vingarão dos brancos? Ninguém diria,
porque depois de tantos anos, ficou demonstrado que essa retórica era apenas
uma tentativa dos violadores de manter a violação dos direitos dos negros. Não
havia qualquer razoabilidade em seus questionamentos contra as liberdades civis
dos negros e seus descendentes. O mesmo vem acontecendo com os direitos das
pessoas LGBT na boca de alguns pregadores do ódio. Cabe aos membros e líderes
esclarecidos da igreja levar suas instituições a se autorregularem em relação a
esses absurdos antes que caiam em descrédito total diante do restante da
sociedade, que já vem percebendo a infâmia dessas posturas e pregações
caluniosas baseadas na retórica do pânico social.
5) Você
tem a experiência, digamos assim, dos dois lados da trincheira. Quando
militante do Moses, que equívocos você acha que cometeu?
O primeiro equívoco foi pensar que eu deveria
deixar de ser eu mesmo. A premissa de que eu deveria ser heterossexual a todo
custo foi meu primeiro erro. Outro erro foi ter participado do grupo teatral
ArteFé, que foi embrião do MOSES (Movimento pela Sexualidade Sadia). Em 1997,
estávamos João Luiz, Liane e eu em plena Parada do Orgulho Gay de Copacabana
distribuindo o folheto "Tem bicha que morre, mas não vira purpurina"
(testemunho do João Luiz). Isso também foi um erro.
Se fosse crente, pensando de modo mais maduro hoje, eu teria formado um grupo
que ajudasse pessoas sexodiversas a viverem sua diversidade sem
constrangimento, em comunhão com o restante do que biblicamente se chama
"corpo de Cristo". Aliás, as igrejas só têm a ganhar com a abertura
para a sexodiversidade: Mais gente participando da vida comunitária das
igrejas, famílias homoafetivas enriquecendo a experiência cotidiana das
comunidades de fé, mais alegria por parte dos pais que têm filhos homoafetivos
e que acabam vendo-os deixar as comunidades eclesiásticas por não se sentirem
bem-vindos do modo como são, etc. Não basta "aceitar" uma pessoa na
comunidade. É preciso inclui-la em todos os sentidos - os mesmos direitos com
os mesmos nomes para todos e todas.
Agora, se alguma comunidade eclesiástica decidir manter suas restrições, que o
faça no seio de sua agremiação, sem espalhar ódio no meio da sociedade.
6) Você
já se sentiu, em algum momento, discriminado ou tratado de maneira indigna por
algum evangélico? Pode falar sobre isso?
Sim. Meu canal no Youtube vive recebendo mensagens de ódio de crentes
mal resolvidos, mas uma tecla resolve tudo: "Delete". Aprendi a
não deixar minhas plataformas de comunicação serem usadas para a promoção de
ódio por parte dos que passam o dia catando uma nova vítima na internet. O meu blog costumava ser
alvo disso também, mas isso tem se tornado mais raro. Esses mal-informados
ressentidos percebem que é perda de tempo, que eu não gasto minha saliva ou
"digitais" para discutir com gente mal-educada ou tapada. Agora, uma
coisa faço: converso com gente que se esforça por ser intelectualmente honesta,
qualquer que seja o segmento, inclusive o evangélico.
7) É comum, no segmento
evangélico, a tese de que uma pessoa é homossexual devido a algum trauma
psicológico, abuso ou desajuste emocional ocorrido ao longo da vida, sobretudo
na infância e adolescência. Você passou por algo assim? Se sim, poderia falar
sobre isso? E concorda que isso de fato ocorra com frequência?
Essa tese parte do princípio de que existe apenas
uma forma de sexualidade sadia: a heterossexualidade. Daí, o nome do MOSES.
Isso é um equívoco motivado por preconceitos promovidos no Ocidente por certos
setores do cristianismo que prevaleceram desde Constantino. A afetividade
sexual entre pessoas do mesmo sexo não era vista como perversão em culturas
anteriores e mesmo em certas culturas contemporâneas. Houve e há crenças que
até celebram a relação entre pessoas do mesmo sexo e a transexualidade sem
nunca terem conhecido um grupo de ativismo pelos direitos LGBT, por exemplo
(risos). O fenômeno que chamamos de sexualidade humana é naturalmente variado e
não passa necessariamente pela questão de qual genitália os indivíduos exibem
em sua constituição orgânica.
Pessoas passam por sofrimento psicológico desde sempre e em todas as áreas da
vida. Isso não determina a quem o indivíduo vai devotar amor ou que tipos de
pessoas despertarão o interesse sexual de cada um. E falando em abuso sexual, a
maioria esmagadora dos abusadores é heterossexual e tem história de abuso na
infância ou adolescência também. Ou seja, o abuso não os transformou em gays ou
lésbicas. Sobre o fato de serem abusadores, pedofilia não tem nada a ver com a
homoafetividade ou a heteroafetividade. E quem usa a pedofilia como argumento
contra a sexodiversidade já demonstra que não sabe do que está falando ou que está
agindo com base em pura má-fé.
8) O
deputado Feliciano está tão questionado no cargo que ocupa que, ainda que não
seja afastado, já criou um case político e comportamental, no sentido de
fomentar o questionamento ao acesso de pessoas conservadoras (aqui,
novamente, não estou levando em conta o fato de ele ser tão caricato, mas a sua
existência no cargo, ok?) a cargos daquela natureza. Se, por um lado, o debate
é saudável do ponto de vista ideológico e da defesa dos direitos humanos, não
existe, por outro lado, um recrudescimento de tamanha reação pelo simples fato
de ele ser pastor? Em outras palavras, se fosse um tacanho como Severino
Cavalcanti ou Jair Bolsonaro (figuras igualmente trogloditas, mas não
religiosas) no cargo da CDH, você acha que a grita seria a mesma?
A sociedade brasileira nunca se manifestou contra a
presença de pastores na política. Por isso, não considero coerente ou justo
dizer que ele é perseguido por ser pastor. Isso é o que ele adoraria que as
pessoas pensassem para jogar uma cortina de fumaça no que realmente interessa.
Agora, a própria igreja deveria repensar a eleição de pastores para cargos
políticos. O indivíduo tem um chamado pastoral ou uma vocação política? A
igreja católica não deixa pároco exercer cargo. Ele tem que se licenciar da
paróquia enquanto exercer o mandato político. Essa é uma prática que os
evangélicos deveriam considerar para evitar abusos por parte de seus líderes.
Além disso, é importante se questionar por que uma bancada que vive propalando
a ideia de "moral e bons costumes" está mergulhada em escândalos de
corrupção e processos para todo lado. Será que isso não acende uma
luzinha vermelha na cabeça dos crentes? Se uma faxina ética fosse feita no
Congresso e no Senado, quantos membros da bancada evangélica sobrariam? cri...cri..cri..cri...
9) Por
favor, diga-me como devo qualificá-lo. Professor de inglês? E qual sua formação
acadêmica?
Formado e pós-graduado pelo Seminário Teológico Betel (Rocha - Rio de
Janeiro), formado em Filosofia pela UERJ, atuando como professor de inglês,
autor de Em Busca de Mim Mesmo, e blogueiro no www.foradoarmário.com. (Atualização em 28/8/20: O domínio do blog em 2019)
Sérgio, você é o cara! Adorei a entrevista, de verdade. Abraços!
ResponderExcluirSergio adorei sua entrevista! É uma pena que ela não esteja na íntegra na mídia evangélica, pois eles iriam aprender muito com sua experiência de promoção a cidadania e humanidade. Infelizmente sabemos que muitas pessoas utilizam-se para fins pessoais, e isso não vai mudar tão fácil! Sua honestidade e sabedoria, com certeza, ajudará muitos, mesmo que está entrevista fique somente em seu blog. Gostei muito do texto, mas o que me chamou atenção foi seus arrependimentos, pois eles se transformaram em ferramentas fortíssimas contra tudo aquilo que se mostrava real, mas que na verdade não passava de enganos. Isso lhe fez mais forte e coeso em suas verdades mais intimas. Parabéns e continue a ser este mensageiro humanitário que és.
ResponderExcluirSergio, gosto muito do que você escreve. (Já tive oportunidade de lhe dizer isso outras vezes. Sua entrevista foi bastante esclarecedora. Pena que o veículo ao qual você deu a entrevista não a tenha utilizado. Acho que eles têm é medo de que evangélicos possam se esclarecer diante de suas palavras. E, sabemos bem, religião não admite questionamento. Questionou, tá fora. isso aconteceu comigo, que fui criado no catolicismo, tendo sido coroinha durante muitos anos, (embora jamais tenha sido abusado por nenhum padre - Oh, que novidade!), quando questionei sobre a tal "virgindade mariana", fui "convidado" pelo meu confessor a não aparecer mais na sua paróquia, "pra que, com minhas ideias, não contagiasse outros paroquianos". Amei seu livro "Em busca de mim mesmo" e adoro ler o que você escreve! Um beijo e um grande abraço!
ResponderExcluirMuito obrigado, Jackson. Que bom começar o dia lendo um depoimento carinhoso como esse. Obrigado por compartilhar sua experiência aqui e por prestigiar esse blog e o livro. Isso me encoraja muito. Obrigado pelo carinho de sempre. Como é bom ter amigos assim. Um beijo pra vc também, querido.
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