ATENÇÃO, TRANSEXUAIS: UM CAVALO DE TROIA CHAMADO PL 72/2007

UM CAVALO DE TROIA CHAMADO PL 72/2007
CORREIO BRAZILIENSE - 22/12/2013
ARTIGO - Berenice Bento
Está na pauta do Senado Federal o Projeto de Lei (PL) nº 72/2007, de autoria do ex-deputado federal Luciano Zica (PT-SP) e com relatoria do senador Eduardo Suplicy (PT-SP). O PL dispõe sobre a alteração do pré-nome e sexo das pessoas transexuais nos documentos, definindo que é possível recorrer à Justiça para realização dessa alteração sem a realização da cirurgia de transgenitalização. Nada mais avançado, pensarão alguns. No entanto, se esse projeto for aprovado, passará para a história como um presente de grego.
1) Uma das principais demandas da população trans é a mudança no pré-nome e na definição do sexo nos documentos sem a obrigatoriedade da cirurgia de transgenitalização. E por população trans refiro-me às pessoas transexuais masculinas e femininas, travestis, crossdressers, transgêneros e a uma gama de sujeitos que lutam para ter suas identidades de gênero reconhecidas legalmente. O primeiro equívoco do PL 72 é restringir a sua abrangência às pessoas transexuais.
2) Atualmente, no Brasil, as pessoas transexuais precisam se submeter compulsoriamente a um tempo de terapia, nunca inferior a dois anos, além de uma rotina de visitas semanais ao hospital para ter o “direito” a umlaudo psiquiátrico que lhe confere a titularidade de portadora de “transtorno de identidade de gênero”.Todo esse protocolo patologizante é referendado pelo PL 72. E mesmo que a pessoa não queira fazer a cirurgia e não se identifique como transexual, terá obrigatoriamente que se submeter ao protocolo.
3) Já de posse do laudo, a pessoa enfrentará novas filas e novas rotinas, agora na Justiça, para demandar a mudança do nome e do sexo nos documentos. Na Justiça, terá que se preparar para longo e caro processo. Terá que torcer para que o processo caia na mãodeummagistrado mais liberal, pois nada o obrigará, nos termos da lei, a autorizar as mudanças. Ou seja, são anos e anos até conseguir um direito básico: ser reconhecido legalmente com a mesma identidade social com a qual vive. Essa realidade, que vem sendo questionada como desumanizadora, é definida como norma pelo PL 72/2007.
4) Contraditoriamente, ao lado dessa dupla tutela em que vivem as pessoas trans (médica e jurídica), há micronormatizações em todos os estados brasileiros: o nome social. Por meio de portarias, dezenas de escolas, universidades, repartições, o SUS e ministérios utilizam esse mecanismo, que visa criar ambientes não transfóbicos garantindo o respeito à identidade de gênero das pessoas sem nenhuma exigência de laudo ou decisão judicial. Foi a alternativa encontrada por instituições diante do lacuna legal. Caso o PL 72 seja aprovado, esse vazio deixa de existir. O que significa dizer que, para ter direito a usar um nome diferente daquele inscrito nos documentos, a pessoa deverá ter uma decisão judicial que contemple a demanda.
5) Em diversos países, as mudanças nos documentos não precisam de uma decisão da Justiça.Na Espanha, por exemplo, as pessoas trans que tenham um laudo médico vão diretamente a um cartório e novos documentos são emitidos. Mas a permanência da tutela médica tem sido motivo de fortes embates. No caminho do pleno reconhecimento, temos a Argentina como o país que aprovou uma lei em que todas as pessoas trans têm o direito ao reconhecimento de sua identidade de gênero, sem necessidade de recorrer ao Judiciário e sem laudos psiquiátricos e por meio de simples processo administrativo, reafirmando que a identidade de gênero refere-se à intimidade e à autonomia de cada sujeito.
Tentei entender o porquê de o PT não barrar a tramitação do projeto, uma vez que amplos setores da sociedade brasileira têm advertido para seus limites e perigos. Ora, se o objetivo fosse, de fato, garantir direitos para uma população excluída, por que não se tentou uma negociação, via emendas e tantos outros recursos legislativos?
A hipótese que não me abandonou diz que a aprovação desse PL funcionaria como um tipo de compensação (in)consciente à forma como o governo tem lidado com as questões referentes às populações de lésbicas, gays e pessoas trans no Brasil, a exemplo das recorrentes manipulações, alterações do texto e protelação da votação do PLC 122, que criminaliza a homofobia. A aprovação do PL 72 funcionaria como moeda retórica que poderá ser acionada nas eleições. Portanto, mais uma vez, essa população será a carne mais barata no mercado eleitoral.
* Berenice Bento
Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), autora de vários livros e Pós-doutoranda na City University of New York (EUA)
GADVS: https://www.facebook.com/groups/159287117433701/777257955636611/
Leonardo Tenório lembra que a ABHT (Associação Brasileira de Homens Trans) é contar o PL 72/2007. Veja mais aqui: https://homenstrans.blogspot.com/2013/12/abht-tambem-se-posiciona-contra-o-pl.html
A Associação Nacional de Travestis e Transexuais – ANTRA - também é contra o PL 72/2007: https://homenstrans.blogspot.com/2013/12/antra-tambem-se-posiciona-contra-pl.html
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COMENTÁRIO DESTE BLOGUEIRO
Direito que depende de um juiz para ser efetivado, caso a caso, não é um direito garantido; é apenas uma PROVÁVEL concessão a bel prazer do juiz. As pessoas transexuais merecem o reconhecimento de sua dignidade, não piedade.
Caro blogueiro, destaco que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil também é contra a aprovação do PLC 72/2007.
ResponderExcluirA Comissão Especial da Diversidade Sexual da OAB nacional entregou ao relator do projeto, senador Eduardo Suplicy, pedido de retirada de pauta, mas não foi atendida até o presente momento.
Fui pessoalmente ao gabinete do senador entregar a manifestação da comissão, da qual faço parte.
Continuemos a luta para evitar que o risco de retrocesso se concretize com a aprovação dessa proposição legislativa.
Lucas de Alencar Oliveira
Advogado, integrante da ADLIB (Advogados pelo Respeito à Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Gênero), representante da OAB no CNCD/LGBT.
Que ótima notícia, Lucas!
ResponderExcluirObrigado pelo comentário enriquecedor.
Um grande abraço,
Sergio Viula