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Que domingo! Que dia emblemático!

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  No Amazon: https://www.amazon.com.br/Marielle-Monica-hist%C3%B3ria-amor-luta/dp/6589828350 Por Sergio Viula Que domingo! Que dia emblemático! Esse é o último domingo do mês de março - mês da mulher. É também o 10º dia depois do aniversário de seis anos do assassinato da vereadora Marielle Franco. E foi precisamente nesse domingo que foram presos três acusados de serem os mandantes do crime que chocou o Brasil e o mundo. Foi na manhã desse domingo, 24/03/2024, que foram presos o deputado federal Chiquinho Brazão (União-RJ); o irmão dele, Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio; e o ex-chefe da Polícia Civil do Rio Rivaldo Barbosa. Os três encontram-se no Presídio Federal do Distrito Federal por suspeita de mandar matar Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes. Relembrando alguns dos principais fatos sobre esse crime hediondo: Marielle Franco era uma ativista dos direitos humanos e vereadora no Rio de Janeiro. Ela foi assassinada a tiros em 14 de março de 2018 jun

Entrevista: Conheça Cris Lacerda e sua história de superação

Semana da Diversidade na Maré (2018) - Crédito: Agência de Notícias das Favelas


O Grupo Conexão G desenvolve várias atividades no Complexo da Maré no Rio de Janeiro, como a Semana da Diversidade (foto e link acima). 

A seguir, você verá uma entrevista com Cris Lacerda, coordenadore de comunicação do Conexão G. 

O Blog Fora do Armário (BFA) deseja a todos, todas e todes uma ótima leitura.





BFA: Como foi sua infância e adolescência como menino gay?

CRIS: Eu tive uma infância e adolescência muito ruins. Sofri abuso aos 8 anos, por um vizinho que era amante da minha tia, cujos filhos eram da minha idade. A família soube do abuso, mas após a comoção inicial, nada foi feito. Com o tempo, o abuso passou a ser praticado por outros vizinhos do prédio em que eu morava e progrediu também para os garotos do condomínio habitacional em que morava.

Não me preocupo mais em saber se eu sou gay por causa dos abusos ou se realmente desenvolveria minha homossexualidade de forma mais natural. Porém, a despeito disso, desde muito cedo fazia as famosas “meinhas” com os garotos do condomínio. Mas, em casa, eu era duramente reprimido através de vigilância de fala, gestos, postura, vestimentas e brincadeiras; ou seja, não pude ser uma criança “viada”, sobretudo porque eu tenho irmã mais velha que me vigiava e não me deixava brincar com as meninas, e os garotos não queriam ser meus amigos.


Cris Lacerda aos 12 anos


Então minha infância e adolescência eram fazer meinhas na rua ou ficar em casa a ver desenhos, ler quadrinhos e livros. Tive uma infância solitária.

Aos 15 anos comecei a trabalhar no McDonald’s, puxado pela minha irmã que entrou lá antes, mas com menos de um ano acabou saindo para trabalhar em outro lugar. Eu continuei lá por três anos. Na minha relação com os colegas de trabalho, comecei a me envolver com os gays – fosse como amigos ou namorados - que trabalhavam lá e passei a ser bem mais afeminado. Aos 17 anos, minha família vendo esta mudança, veio falar comigo e ameaçou me expulsar de casa. Com medo entrei no armário, de onde só tive coragem de sair aos 32 anos.

[Nota do BFA: "meinha" é uma gíria que significa brincadeiras sexuais entre garotos]



BFA: Quando foi que você decidiu que era hora de sair do armário? Qual foi a gota d'água para você dizer chega?

CRIS: Eu tinha 32 anos e estava casado há quase dois anos, quando comecei a me relacionar às escondidas com meu “irmão de santo”. A gente ficou saindo por uns dois meses. Então, a paixão aumentou e eu resolvi assumir o relacionamento com ele. Me separei, aluguei uma casa e fui morar com o rapaz.



BFA: O que mudou na sua vida a sua saída do armário?

CRIS: O processo de mudança foi um bocado complicado. Em primeiro lugar, a família mais uma vez tentou me empurrar de volta para o armário com aquele discurso de família e sociedade, mas que não colou mais. 

Em segundo lugar, saí do barracão no qual trabalhava como médium, e muitos dos amigos que  eu tinha se afastaram (cerca de 90% deles), de outros eu mesmo preferi me afastar. 

Em terceiro lugar, o relacionamento não deu certo e, após três meses, nos separamos; foi uma situação muito traumática para mim e como consequência da frustração acabou me afundando no vício do álcool e da cocaína, (comecei a usar drogas ilícitas com 20 anos e só consegui parar aos 42 anos de idade). 

Por último, mesmo me assumindo como gay, eu era o cara discreto e fora do meio, que reproduzia muito machismo, homofobia e transfobia (eu só me descontruí a partir do momento que comecei a militar no movimento LGBTI+ organizado).


Cris Lacerda aos 42 anos


As mudanças positivas só começaram na minha vida realmente, após eu buscar ajuda em Narcóticos Anônimos - o que me ajudou a ficar limpo e mudar a minha vida.



BFA: Você está fazendo uma pós-graduação que dialoga com as temáticas LGBT+. Fale-nos um pouco sobre essa nova realização.

CRIS: Eu tomei conhecimento do curso através de um grupo do WhatsApp. Fiz a inscrição para o processo seletivo, passei pelas etapas e fui aprovado em 12º lugar. 

O curso era Cidades, Políticas Publicas e Movimentos Sociais e foi promovido pelo IPPUR/UFRJ. 

Entrei no curso como ativista LGBTI+ e ao longo do curso percebi que havia muito pouca produção acadêmica na área de planejamento urbano que abordasse a relação de LGBTI+ com os espações da cidade. Então procurei fazer um trabalho que pudesse mesclar a minha experiência como ativista e as teorias hegemônicas da área do planejamento.



BFA: Atualmente, você está trabalhando com o Grupo Conexão G. O que exatamente esse grupo faz e quais são os principais projetos do grupo no momento?

CRIS: Eu conheço o Grupo Conexão G de Cidadania LGBT de Favelas há uns três anos, mas comecei a me aproximar do coletivo após a Parada LGBT da Maré, ano passado. Ao saber que tinha sido demitida da escola onde eu trabalhava, recebi o convite da Gilmara Cunha parar compor a equipe em janeiro deste ano.

O Conexão é a primeira ONG LGBT em território de favelas. Nosso trabalho busca dar visibilidade, formação, empregabilidade, informação e saúde às pessoas LGBTI+ que moram no Complexo da Maré e outras comunidades. Fazemos curso de capacitação, damos assistência social e encaminhamos demandas para órgãos públicos competentes. Atualmente, por conta da pandemia, estamos com campanhas de doação de recursos para distribuição de cestas básicas à nossa população, que é a mais atingida com a atual conjuntura de crise.

[Nota do BFA: As favelas que formam o Complexo da Maré, na cidade do Rio de Janeiro, são: Baixa do Sapateiro, Morro do Timbau, Parque Maré, Nova Maré, Nova Holanda, Rubens Vaz, Parque União, Conjunto Esperança, Conjunto Pinheiros, Vila do Pinheiro, Vila do João, 'Salsa e Merengue', Marcílio Dias, Roquete Pinto, Praia de Ramos, Bento Ribeiro Dantas.]



BFA: Como você vê a situação das pessoas LGBT+ em meio à crise causada pelo Covid-19, especialmente aquelas que moram em comunidades?

CRIS: Para os moradores de favelas, a pandemia, além da ausência de políticas de empregabilidade, educação, saúde, cultura e lazer - permeadas pela racionalidade da subalternização e da precarização - vem gerando um impacto brutal sobre a sua condição de subsistência, afetando a vida das pessoas no âmbito da direito à mobilidade, da diminuição da renda familiar, da fome, do duplo adoecimento e da dificuldade de acesso aos serviços de saúde que atendem estes territórios. Somado a tudo isso, existe um fator a mais, que é a negligência do poder público e a intensificação da violência que já acometia nossos territórios, uma vez que as operações policiais não pararam.

Para a população LGBTI+, sobretudo para a população trans, que compõe também o grupo de risco, basicamente por conta de sua dissidência do binarismo cis-heteronormativo (fazendo com que, muitas vezes, sequer possuam documentação que lhes permitiria acessar o auxílio emergencial “disponível” à população em geral), a ausência de políticas públicas de empregabilidade (o que força essas travestis e transexuais a continuarem nas ruas se prostituindo em meio à pandemia) e a estigmatização de acesso aos sistemas de saúde e proteção social. 

Assim, os corpos-subjetividades que estão à margem do modelo social normativo compõem significativa parcela de excluídos do reconhecimento do cidadão e das medidas de combate ao coronavírus. Além disso, a população LBGTQI+ está entre as mais vulneráveis aos riscos e danos à saúde provocados pela COVID-19 por terem menos acesso ao sistema de saúde de qualidade, além de constituírem-se em grupo alvo de uma variedade de doenças crônicas, sobretudo o HIV/AIDS.


BFA: O que tem sido feito para ajudar essas pessoas?

CRIS: Para tentar minimizar os impactos, os próprios moradores de favelas têm se mobilizado e criado alternativas de enfrentamento à proliferação da Covid-19. Essas ações se baseiam em algumas frentes como o compartilhamento e coleta de informações de prevenção e sintomas; recolhimento de doações para compra de alimentação e materiais de limpeza; medidas educativas sobre a importância do racionamento de água; monitoramento de pessoas que são consideradas do grupo de risco, entre outras ações coletivas que visam a garantir a vida e a dignidade dessas pessoas.

O Grupo Conexão G, também, logo no início do lançamento das medidas de contenção da epidemia, começou uma campanha de arrecadação de fundos para doação de cestas básicas com alimentos, materiais de limpeza e higiene e diversas outras ações no território da Maré. Trabalhando em parceria com as outras instituições do Complexo da Maré, o Conexão G conseguiu atender e entregar cestas básicas a cerca de 500 famílias LGBTI+ da comunidade, mas infelizmente ainda não foi possível alcançar todas.


Cris Lacerda, janeiro de 2020


Conheça essa iniciativa que visa à redução da incidência do Coronavírus no Complexo da Maré e dá início à construção da Casa da Diversidade: 



BFA: O que você gostaria de dizer que não tenha sido perguntado até aqui?

CRIS: Gostaria de falar um pouco da minha relação com o uso abusivo de drogas.

Comecei a usar maconha e cocaína com 20 anos. Usava de forma recreativa, mas, gradativamente, a droga foi tomando conta da minha vida até se tornar a única coisa que importava na minha vida. 

Após o término do namoro com o Rafael, me afundei muito mais no vício, o que me levou a ser morador de rua em 2010. 

Fui internado por duas vezes, entrei num grupo de ajuda mútua, mas foi só em 2015 que eu consegui manter a sobriedade e mudei a minha vida para melhor. Estou sóbrio e sem usar cocaína há 5 anos e 1 mês.


BFA: Que mensagem você gostaria de deixar para pessoas LGBT+, sejam elas engajadas ou não no ativismo pró-LGBT+?

CRIS: Por mais que o mundo seja contra você, não desista da vida. O mundo nos odeia, então não podemos lhe dar o gosto da vitória. Nós existimos e resistimos, apesar de tudo. Ame-se sempre em primeiro lugar.


LEIA TAMBÉM ESSE TEXTO DE CRIS LACERDA:

COVID-19: SOCIEDADE CIVIL DÁ SUPORTE A POPULAÇÃO LGBTI+ EM FAVELAS CARIOCAS

Comentários

  1. Conheço o Cris desde 2001 e me orgulho desse cara que ele se tornou@
    Parabéns meu querido!

    Beijos do eterno "Babaty"

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    Respostas
    1. Obrigado, Babaty.

      Compartilha com mais pessoas essa postagem inspiradora.

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  2. Impactante! Parabéns Cris, pela coragem de resistir e pela gentileza de compartilhar sua experiência!

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  3. Parabéns, querido Cris! Sua experiência de superação e engajamento nas lutas por direitos certamente servirá de exemplo pra muitas pessoas LGBTI+ que atravessam dificuldades semelhantes.

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