Quando o Ateísmo Ainda Carrega o Cheiro do Fundamentalismo






Quando o Ateísmo Ainda Carrega o Cheiro do Fundamentalismo


Olá, minha gente! Meu nome é Sergio Viula. Eu fui crente durante a maior parte da minha vida, até os meus 33 anos, aproximadamente. Fui católico no começo da vida e depois me tornei crente a partir dos meus 15 para 16 anos. Tornei-me ateu declarado — publicamente — entre os 33 e 34 anos. Mas já ali, entre os 31 e 32, eu comecei a questionar uma série de coisas.

Dos 34 anos em diante, passei a falar abertamente sobre minha visão de mundo com uma perspectiva ateísta e humanista, inclusive para grandes veículos de imprensa. Geralmente, a pauta era “cura gay” como um embuste, mas eu sempre comentava algo sobre minha desconversão total.

Mas o propósito deste texto hoje é outro. Eu quero alertar você para uma série de armadilhas escondidas sob o verniz do ateísmo em muitos perfis e canais de vídeo que se apresentam como ateus por aí e que têm sido vistos como verdadeiros modelos de pensamento e de conduta, quando estão, na verdade, comprometidos com uma agenda que ainda carrega os principais traços do fundamentalismo e do fascismo a que foram submetidos enquanto estavam inseridos no sistema religioso. Na melhor das hipóteses, são alguns resquícios. Na pior, são toneladas de conteúdo movido por crenças ainda embasadas no fundamentalismo que essas mesmas pessoas acreditam denunciar hoje, mas que propagam sob nova capa.

O que quero dizer com isso? É como se eles tivessem eliminado a cabeça dessa estátua gigantesca (Deus), mas mantido o restante do corpo, que são as crenças de que o mundo tem que funcionar de acordo com o propósito para o qual foi criado, ainda que aleguem não crer em um criador; ainda que digam que somos frutos de um processo evolutivo. Eles misturam alhos com bugalhos e fazem uma confusão dos k-ralhos!


"O maior inimigo do pensamento claro é a hipocrisia."
(George Orwell)


Esses “arautos do ateísmo virtual” continuam falando sobre sexualidade como se “macho e fêmea Deus os tivesse criado”. Aí, podem até usar termos evolucionistas, mas geralmente os aplicam mal, porque nem sequer entendem bem o que estão dizendo. Acreditam que basta pegar um jargão ali, outro aqui, e pronto: já está justificado o seu preconceito. Mas esse preconceito vem de longe. Vem dos tempos em que se forjaram as fábulas do Jardim do Éden e os códigos de comportamento — supostamente santos, mas de fato absolutamente imorais — do Levítico.

Alguns deles proferem discursos claramente fascistas. Outros querem se colocar como progressistas em alguns aspectos, mas recortam e deixam de fora muita coisa que um verdadeiro progressista nunca desprezaria. São odiadores dissimulados da justiça social. E é por estas e outras razões que eu não apoio a ideia de reunir ateus como um grupo coeso e coerente com os princípios fundamentais do humanismo para a construção de uma sociedade progressista e libertária. Uma grande parte deles continua fiel a uma agenda fascista e excludente, que inclui homofobia, transfobia, xenofobia, misoginia, classismo, autoritarismo etc.

Não confio, porque nem todo ateu — e, na verdade, a maioria deles — conseguiu se livrar totalmente das sequelas religiosas. E por isso continuam agindo como fundamentalistas e fascistas, apesar de alegarem que não acreditam em Deus e criticarem o sistema religioso.

Vejo muitos ateus, especialmente online, fazendo discursos no mesmo estilo que pastores neopentecostais: tom de voz, gesticulação, técnicas de comunicação etc. Ainda que, muitas vezes, contradigam o que os pastores dizem por aí, têm o mesmo modus operandi de levantar dinheiro. Falam mais em Pix do que falam em inclusão, diversidade e equidade, por exemplo. Na verdade, quando falam dessas coisas, é geralmente para reduzi-las, não para amplificar a voz dos que falam em sua defesa.

Muitos deles escondem-se sob a capa do seguinte mantra: “Basta ser ateu. Ser ateu é não crer em Deus. E isso é tudo.” Alegro-me em dizer-lhes que NÃO. Não basta ser ateu. Dizer apenas "não acredito que Deus exista" ou "acredito que Deus não exista" são duas maneiras diferentes de declarar seu ateísmo, mas não dão conta de transformar automaticamente quem quer que seja numa voz portadora de conhecimento verdadeiro ou num modelo a ser seguido.

Mas esses mesmos que dizem que basta ser ateu não param por aí. Eles acrescentam à sua descrença coisas que, muitas vezes, sob a forma de piadas ou brincadeiras, promovem o desprezo por pessoas homossexuais, transgêneras, lésbicas, bissexuais — e assim vai. Alguns deles entraram na atual onda de criticar o que os fundamentalistas e fascistas passaram a chamar de “Movimento Woke”, que na verdade é todo e qualquer esforço para promover a inclusão das diferenças, das pessoas diversas, de todos e não de apenas alguns.


"A verdadeira medida de qualquer sociedade pode ser encontrada na forma como ela trata os seus membros mais vulneráveis."
(Mahatma Gandhi)


Esses ateus aos quais me refiro aqui se opõem a tudo o que prima pela justiça social. Tudo o que eles sabem fazer é debochar das pautas inclusivas, dizendo — assim como outros fascistas e fundamentalistas — que são mimimi, modinha e lacração. Porém, são eles que, na verdade, estão querendo causar com esse tipo de discurso e capitalizar em cima de idiotas dispostos a financiar qualquer um que reverbere sua própria estupidez em nome deles.

Se ateus desse tipo quisessem realmente transformar a sociedade para melhor — e colocá-la o mais longe possível de uma sociedade construída sobre os pilares do fundamentalismo —, estariam agindo de modo completamente diferente. Eles apoiariam todos os movimentos que falam sobre diversidade, equidade e inclusão. Eles não ficariam ao lado de bilionários que estão violentando as sociedades onde atuam para dominar o cenário econômico, político e social, como temos visto ultimamente.


“A aspiração democrática não é uma simples forma de governo. É primariamente uma forma de associação, de convivência.” 
(Albert Einstein)


Então, quando eu olho para esse monte de gente que fala: "Ah, seria tão bom se os ateus tivessem uma organização que os representasse", eu penso comigo mesmo: ledo engano. E digo isso porque, se uma organização dessas fosse criada e ela quisesse realmente promover humanismo, inclusão e igualdade social com uma tônica antifascista, democrática, mais colaborativa do que competitiva, educando para uma visão de sucesso que se baseasse em bem-estar social e liberdades civis garantidas — em vez de classificar as pessoas pelos objetos de luxo absolutamente supérfluos que elas conseguem ostentar — provavelmente, muitos ateus do tipo a que me referi anteriormente pulariam do barco, inclusive criando algum tipo de organização com a mera finalidade de se opor a essa.

Qual será o ganho para a pessoa ateia se as coisas continuarem assim? Não penso apenas no mal que tudo isso causa ao ateísmo no campo do abstrato, mas penso também — e principalmente — no mal que isso causa às pessoas que se identificam como ateias e que sofrem, com o pé na concretude da realidade, diversas consequências que resultam desses discursos que estimulam a violência, seja de modo ativo (pregando contra a inclusão e a justiça social na diversidade dos indivíduos), seja de modo passivo (apenas não se opondo a tais injustiças).

Então, eu quero fazer um alerta muito sério aqui: não dê ouvidos a ateus cujo discurso e comportamento bebem das mesmas águas podres que pastores e padres extremistas. Não contribua com canais que, além disso, falam em dinheiro boa parte do tempo. Alguns já começam falando em Pix e terminam falando em “membros do canal”. Quando isso financia algo maior, algo que promova educação embasada em ciência, filosofia, sociologia etc., com um viés irrestritamente inclusivo das subjetividades múltiplas e diversas que compõem a nossa sociedade, OK. Dou um desconto aí para o princípio de “não alimente YouTubers”. Mas se rejeitam ou simplesmente não abraçam essas pautas que podem transformar nossa sociedade em algo realmente melhor, não gaste um minuto do seu tempo ou um centavo do seu suado dinheiro com esses canais e seus criadores.


“Em uma sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista.” 
(Angela Davis)


Não adianta ouvir o mantra “O Estado é laico” na boca dessa gente hipócrita e rasa se isso não significa manter o Estado separado do sistema religioso justamente para dar lugar a um humanismo irrestrito, que, por isso mesmo, vai celebrar a diversidade, promover a equidade e efetivar políticas de inclusão.

Se um ateu não faz isso, ele é tão relevante quanto qualquer pastor de meia-tigela por aí. Porque só dizer “Deus não existe” até um gravador pode dizer, até um programa de inteligência artificial pode dizer. Agora, fazer uma diferença real a partir daí, para que o mundo seja menos babaca do que sempre foi, isso nenhum desses ateus com ranço fundamentalista fará enquanto não se lavar dessa lama religiosa toda onde se chafurdaram e que ainda carregam — pelo menos nos sapatos — acreditando estarem totalmente limpos dela.


“O homem está condenado a ser livre.” 
(Jean Paul Sartre)


Em outras palavras, você tem que ser mais do que apenas ateu da boca para fora. É preciso estar comprometido com os valores humanistas, porque se você entende que o homem está por conta própria no mundo, você não pode esperar que ele faça de si e da sociedade onde vive algo minimamente suportável sem um compromisso real com a ideia de que somente o discurso-ação que garante que todos tenham acesso àquilo que é seu direito será o caminho para a convivência pacífica, produtiva e feliz em qualquer lugar do planeta onde exista mais de uma pessoa. Se você pensa assim, você está na mesma página que eu; você está na mesma onda radiofônica que eu; você está se movendo na mesma direção que eu. E eu espero que cada vez mais pessoas embarquem nesse vagão.

Por outro lado, se você não abraça essas coisas, não conte comigo para colaborar com seu projeto capenga de rompimento aparente com a religião. Não quero o aparente. Isso quer dizer que só porque você diz que é ateu, você não será considerado imediatamente melhor do que o religioso fundamentalista, fascista e culturalmente minúsculo que eu conheça. Pelo contrário, um ateu que se encontra em algum ponto de interseção com esse tipo de crença será até pior do que padres, pastores, rabinos, imãs e outros que se coloquem abertamente assim em nome de algum deus, porque estes aqui ainda têm a seu favor a ideia de que o fazem por temor ignorante a um deus qualquer. Mas o ateu que age como eles já deveria saber que todo esse edifício preconceituoso não passa de ignorância humana elevada à sua potência máxima. E, se é o homem o responsável por essa ímpia construção, deverá ser o homem também o responsável por sua completa desconstrução.

E o que colocar no lugar desse lixo ideológico construído pela ignorância de tantos religiosos? É preciso colocar alicerces humanistas, libertários e progressistas, mas certificar-se de que cada componente que será adicionado a esse alicerce para a construção de um edifício novo seja feito do mesmo material que o alicerce.


“Não ser amado é apenas má sorte; a verdadeira desgraça é não saber amar.”
(Albert Camus)


Então, se você entende e concorda com o que acabou de ler, mãos à obra. Se não entendeu, procure saber mais sobre isso. E se discorda, só lamento. Estaremos em lados opostos, porque eu continuarei defendendo uma sociedade onde as pessoas sejam completamente autônomas para viverem suas identidades, desde que estas não se tornem meios de exclusão de quaisquer outras igualmente legítimas.


“Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo.”
(Michel Foucault)


Meu nome é Sergio Viula. Estou no YouTube com o canal Blog Fora do Armário. Tenho um blog com o mesmo nome. Jogue “Blog Fora do Armário” no Google que você vai achar — é o primeiro colocado lá. Também estou no Facebook e no Instagram. No Instagram, procure também Blog Fora do Armário. Seja bem-vindo, bem-vinda, bem-vinde, tanto faz. É para todo mundo mesmo.

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