Lufthansa coloca passageiro LGBTQ+ em risco
Lufthansa coloca passageiro LGBTQ+ em risco

Por Sergio Viula
Nos últimos dias, veio à tona uma história que deveria alarmar qualquer pessoa minimamente preocupada com direitos humanos — e, especialmente, com a segurança de viajantes LGBTQ+ no mundo. Trata-se da ação judicial movida por um casal gay contra a Lufthansa, acusando a companhia aérea de ter exposto seu casamento às autoridades sauditas, comportamento que acabou forçando um dos parceiros ao exílio permanente.
Sim, você leu certo: uma empresa privada europeia, operando em um dos regimes mais repressivos do planeta, tomou atitudes que contribuíram diretamente para colocar a vida de um passageiro em risco. E agora terá que responder por isso na Justiça dos Estados Unidos.
O que aconteceu no Aeroporto de Riade
O caso envolve um casal — um norte-americano e um cidadão da Arábia Saudita — legalmente casados em San Francisco desde 2013. Em 2021, durante uma conexão no Aeroporto de Riade, funcionários da Lufthansa passaram a questionar o relacionamento entre eles. Segundo o processo, os funcionários:
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questionaram publicamente o vínculo afetivo do casal;
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exigiram o certificado de casamento;
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escanearam o documento;
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e enviaram o arquivo para a sede da empresa.
Tudo isso depois de o casal alertar que qualquer exposição poderia colocar o parceiro saudita em grave risco, já que a Arábia Saudita criminaliza relações homoafetivas e mantém um aparato estatal voltado à vigilância contínua dos cidadãos.
Semanas após o incidente, o governo saudita alterou o perfil oficial do parceiro no sistema nacional para “casado”. Essa simples mudança, aparentemente burocrática, funcionou como uma exposição automática de sua orientação sexual a um Estado que pune homossexualidade com prisão, tortura e até pena de morte. Resultado: ele fugiu permanentemente para os Estados Unidos, rompendo com sua família, sua carreira e sua vida no país de origem.
A decisão da Justiça americana
Recentemente, um tribunal federal de apelações determinou que o processo pode seguir adiante na Califórnia. A Lufthansa argumentou que o caso deveria ser julgado em outra jurisdição, mas a corte entendeu que a empresa tem laços comerciais sólidos com o estado — o que justifica sua responsabilização ali mesmo.
Isso é importante porque abre caminho para que companhias internacionais não possam simplesmente se esconder atrás de complexidades legais quando colocam passageiros LGBTQ+ em perigo.
A Lufthansa, por sua vez, nega qualquer irregularidade. Mas, ao que tudo indica, terá dificuldade para explicar por que funcionários ignoraram avisos explícitos de risco e trataram um documento tão sensível como se fosse apenas mais um papel burocrático.
Por que este caso pode fazer história
A ação judicial contra a Lufthansa tem potencial para redefinir como companhias aéreas e outras empresas que operam em países repressivos precisam lidar com passageiros LGBTQ+. Se houver condenação, alguns efeitos importantes podem surgir:
1. Responsabilidade internacional de empresas ocidentais
O caso pode estabelecer que empresas europeias e norte-americanas devem responder legalmente quando, por negligência, colocam pessoas LGBTQ+ em perigo em países onde suas vidas estão literalmente em jogo.
2. Proteção de dados sensíveis
O certificado de casamento de um casal gay não é um documento neutro. Um simples dado pessoal pode ser usado como arma quando cai nas mãos de autoridades homofóbicas. Esse processo poderá gerar protocolos mais rígidos para o tratamento de documentos que revelam orientação sexual.
3. Treinamento obrigatório de funcionários
É provável que o setor de aviação passe a exigir treinamentos formais sobre riscos enfrentados por viajantes LGBTQ+ em contextos hostis — algo que hoje é praticamente inexistente.
4. Pressão indireta sobre regimes autoritários
Cada vez que um caso como esse ganha visibilidade internacional, também pressiona governos repressivos a serem observados e denunciados por suas leis bárbaras e anacrônicas.
A pergunta que fica: até quando empresas vão agir como se LGBTQ+ fossem cidadãos de segunda classe?
A Lufthansa não criou a homofobia institucional da Arábia Saudita. Isso é óbvio. Mas tinha a obrigação mínima — mínima — de não fornecer combustível para ela.
E, ainda assim, forneceu.
É inadmissível que uma companhia aérea global, com acesso a treinamento, assessoria jurídica e protocolos de segurança, trate a vida de passageiros LGBTQ+ com tamanha indiferença. Não é apenas uma falha administrativa. É uma falha moral, ética e humana.
O precedente que precisamos
Se a Justiça americana confirmar que a Lufthansa agiu de forma negligente e que isso contribuiu para colocar o passageiro em risco mortal, teremos um avanço significativo. Será um passo firme rumo à responsabilização internacional de empresas que operam em territórios perigosos para minorias.
Nenhuma companhia deveria poder alegar desconhecimento quando falamos de países onde existimos ilegalmente.
Para nós, LGBTQ+, a lição é clara
Viajar ainda é um jogo desigual. Nem todo passaporte vale o mesmo. E, em alguns lugares, o simples fato de amar pode nos custar a liberdade — ou a vida.
Mas a lição para as empresas é ainda mais importante:
nossos dados não são seus para entregar. Nossas vidas não são seu risco calculado. Nossos vínculos afetivos não são sua burocracia.
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Guia prático: como viajar com mais segurança sendo LGBTQ+ em países de alto risco
Infelizmente, casos como o da Lufthansa mostram que viajar sendo LGBTQ+ exige cuidados que pessoas heterossexuais raramente precisam considerar. Não se trata de viver com medo, e sim de ter consciência situacional para minimizar riscos reais. Aqui vão recomendações práticas, baseadas em protocolos de segurança adotados por organizações internacionais:
1. Pesquise as leis locais antes da viagem
Pode parecer básico, mas é essencial. Em alguns países, a criminalização atinge:
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relações homoafetivas,
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demonstrações públicas de afeto,
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acesso a sites e aplicativos LGBTQ+,
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até simples reuniões em espaços privados.
Sites úteis:
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ILGA World
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Equaldex
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Orientação de viagem do governo canadense e britânico (mais completas que as dos EUA)
2. Tenha cuidado com vistos, formulários e informações pessoais
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Não declare relacionamento homoafetivo em formulários de países hostis.
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Evite mencionar casamento ou parceria civil, se possível.
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Use respostas neutras quando a pergunta não for obrigatória.
3. Decida com antecedência como vai se apresentar como casal
Em países de risco:
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reserve quartos com duas camas, se necessário;
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evite gestos de afeto em público;
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adote explicações neutras (“colegas de trabalho”, “primos”, “amigos”, etc.)
Sim, é injusto. Mas também pode ser a diferença entre segurança e perseguição.
4. Controle seus documentos e o que eles revelam
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Certificados de casamento, fotos de casal e mensagens íntimas no celular podem ser usados contra você.
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Prefira viajar com versões digitais criptografadas em vez de cópias impressas.
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Ative senhas fortes ou biometria no telefone.
5. Considere o “modo viagem seguro” no celular
Alguns procedimentos úteis:
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desinstale apps LGBTQ+ antes de viajar;
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mova fotos e conversas privadas para pastas criptografadas;
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desative pré-visualização de mensagens na tela bloqueada.
6. Evite confrontos com funcionários de aeroportos e fronteiras
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Agentes alfandegários têm poderes amplos — em muitos países, praticamente ilimitados.
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Se perguntarem algo que revele sua orientação sexual, responda de maneira curta, neutra e não provocativa.
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O objetivo nesses contextos é sair dali o mais rápido possível, não “fazer um debate”.
7. Memorize contatos de emergência
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Embaixada ou consulado
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Organizações locais (se existirem)
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Amigos fora do país que possam acionar ajuda rapidamente
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Apps de emergência como Signal podem ser úteis.
8. Avalie se vale a pena viajar para aquele destino
Há momentos em que a pergunta não é “como viajar com segurança?”, mas sim “vale a pena ir?”.
Sua vida, sua integridade e sua liberdade valem mais que qualquer viagem.
9. Evite escalas desnecessárias em países hostis
Mesmo que seu destino final seja seguro, conexões em países repressivos criam riscos — como aconteceu com o casal do caso Lufthansa.
Sempre que possível, prefira rotas alternativas, mesmo que sejam mais longas.
10. Cadastre sua viagem no consulado do seu país
Esse passo é simples e pode acelerar ajuda consular em situações de emergência.










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