Lula vetou uso de língua neutra nos documentos oficiais, e ele está certo!

Língua Neutra: Por Que Essa Discussão Nos Distrai do Que Realmente Importa


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Por Sergio Viula 


Hoje eu quero conversar sobre um tema que voltou com força total, virou briga em rede social e já chegou até ao debate político formal: a chamada “língua neutra”.

E, antes de mais nada, precisamos colocar algumas coisas em perspectiva.
 
O Que Se Chama Hoje de “Língua Neutra”

A proposta da “língua neutra” parte da ideia de eliminar marcadores de gênero do português — deixar de indicar se uma palavra é masculina ou feminina.
Seria algo como trocar “garoto” e “garota” por “garote”, alterando também artigos e outras terminações.

Mas, antes de discutir a solução, é importante olhar para o que realmente causa o incômodo: preconceito não nasce da gramática. Não existe neutralidade absoluta. O preconceito está na cabeça e na cultura, não no “a” ou no “o” que fecham as palavras.
Mudar a Palavra Não Muda o Preconceito

Há um exemplo histórico que sempre vale lembrar: a transição de homossexualismo para homossexualidade.

A troca foi necessária, claro — o sufixo “-ismo” carregava uma conotação patologizante aplicada somente a pessoas homossexuais, já que jamais se falou “heterossexualismo”.

Ou mudávamos as duas, ou corrigíamos o erro para as duas. 
O problema, portanto, sempre foi valorativo, não linguístico.

Depois disso, adotaram “gay” como termo afirmativo. Nada contra: eu mesmo prefiro ser chamado de gay do que de “sodomita”, palavra tirada de um mito usado politicamente para atacar pessoas homossexuais e trans.

Mas mesmo “gay”, que originalmente só queria dizer “feliz”, passou séculos sendo usado de maneira pejorativa. E ainda é. Ou seja: não é a palavra que carrega preconceito — somos nós que carregamos para dentro dela o preconceito.
 
Línguas Sem Gênero Também Têm Preconceito

Outro ponto importante: nem toda língua marca gênero como o português.

O japonês não marca gênero na gramática. O inglês quase não marca. 
E, mesmo assim, países que falam essas línguas enfrentam preconceitos profundos.

A Índia, antes da colonização inglesa e da imposição do cristianismo, convivia muito melhor com pessoas LGBT. 
O problema não era a língua — eram os valores importados.
 
Gênero Gramatical Não É o Inimigo — a Valoração É

Se a mulher é considerada inferior ao homem, o problema está no machismo estrutural, não no fato de existirem palavras femininas e masculinas.

Mexer na estrutura inteira da língua não resolve essa desigualdade. 
E pior: cria uma série de complicações práticas, especialmente para quem depende de clareza linguística.
 
Consequências Reais na Educação e Acessibilidade


Pense em pessoas com dislexia, autistas, surdos que fazem leitura labial.

Criar novas terminações, símbolos ou trocas arbitrárias tornaria o aprendizado ainda mais difícil.

Se há algo que de fato ajudaria a inclusão, seria a obrigatoriedade da Libras em todos os níveis escolares, o que beneficia pessoas surdas — inclusive LGBT — em situações muito concretas.
 
Diferenças Gramaticais Entre Línguas Não Mudam Realidades

O português marca gênero em praticamente tudo. 
O espanhol também — mas, por exemplo, “leite” é masculino no português e feminino no espanhol. E no inglês é simplesmente “milk”.

A marcação ou ausência de marcação não reduz preconceito. 
Ela apenas reflete um sistema estrutural de cada língua.
 
E as Consequências Jurídicas e Científicas?
 
No Direito, gênero gramatical é essencial em áreas como previdenciário, definições legais, critérios de aposentadoria e garantias específicas. 
Imaginem reescrever leis inteiras e criar categorias artificiais só para caber num “neutro”. Seria um caos interpretativo e jurídico.

Na ciência, seria simplesmente inviável escrever trabalhos acadêmicos, artigos técnicos ou textos filosóficos cheios de “x” ou trocas artificiais.

O conhecimento exige clareza, não opacidade.
 
E a Saúde? Onde Acomodar as Pessoas?

Na saúde, o foco precisa ser acolher as pessoas conforme sua identidade de gênero real, não criar uma categoria inexistente.
  • Homem trans na ala masculina.
  • Mulher trans na ala feminina.
Simples, direto e respeitoso.

Mas e quem não se identifica com nada? Vai para onde?

Para um “setor neutro”? Isso não existe — e não pode existir por inviabilidade prática.
Exigir isso não melhora a vida de ninguém.
 
O Cotidiano Não Aguenta Essa Artificialidade

Sou gay, uso aliança. Às vezes, alguém pergunta pela “esposa”. Eu corrijo: “É meu marido.” Pronto, conversa segue normal. Agora imagine exigir que toda pessoa, para cada palavra que disser, pare e pense: “Qual a forma neutra correta aqui para eu não ofender ninguém?”

Isso não é viável. É pedir que o idioma deixe de ser ferramenta de comunicação para virar um labirinto.
 
Falsos Paralelismos Que Precisamos Abandonar

  1. Casamento igualitário incluiu mais gente sem excluir ninguém. Reformou a legislação — não a língua inteira.
  2. Banheiros neutros não têm nada a ver com “linguagem neutra”. A solução é estrutural: cabines individuais até o chão.
  3. Estupro não acontece por causa de banheiros sem gênero.
  4. Tratar mulheres trans no feminino e homens trans no masculino não é justificativa para inventar um gênero inexistente. São identidades reconhecidas, não categorias novas que precisam reescrever a língua.
Para a maior parte das pessoas — especialmente em cidades pequenas, distantes dos grandes centros — esse tipo de invenção simplesmente não será absorvido. E não acrescenta nada de concreto à nossa luta.
 
Vamos Mirar No Alvo Certo

A discussão sobre “língua neutra” desvia energia do que realmente importa:
  • Direitos reais para pessoas LGBT.
  • Políticas públicas que salvam vidas.
  • Combate ao preconceito cultural, religioso e institucional.
  • Educação inclusiva, acessível e robusta.

As palavras importam, sim.

Mas não é mudando artigos, sufixos ou inventando novos símbolos que vamos acabar com a LGBTfobia.

A mudança precisa ser na mente, na lei e na cultura — não na gramática.

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