SUICÍDIO: A QUASE NÃO-FALADA TERCEIRA MAIOR CAUSA DE MORTE NO MUNDO

Albert Camus

SUICÍDIO: A QUASE NÃO-FALADA
TERCEIRA MAIOR CAUSA DE MORTE NO MUNDO

Post publicado em 2009


Por Albert Camus

Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: o suicídio. Julgar se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, vem depois. Trata-se de jogos; é preciso primeiro responder. E se é verdade, como quer Nietzsche, que um filósofo, para ser estimado, deve pregar com o seu exemplo, percebe-se a importância dessa resposta, porque ela vai anteceder o gesto definitivo. São evidências sensíveis ao coração, mas é preciso ir mais fundo até torná-las claras para o espírito. Se eu me pergunto por que julgo que tal questão é mais premente que tal outra, respondo que é pelas ações a que ela se compromete. Nunca vi ninguém morrer por causa do argumento ontológico. Galileu, que sustentava uma verdade científica importante, abjurou dela com a maior tranquilidade assim que viu sua vida em perigo. Em certo sentido, fez bem. Essa verdade não valia o risco da fogueira. Qual deles, a Terra ou o Sol gira em redor do outro, é-nos profundamente indiferente. (O Mito de Sísifo)


Por Sergio Viula

Apesar de ser professor há tanto tempo, eu precisava concluir meu estágio numa escola estadual para poder cumprir as exigências da licenciatura em Filosofia. Na última sexta-feira, consegui completar esta etapa. A disciplina continua até dezembro, mas o estágio já foi encerrado. Ufa! É cansativo ter mais este compromisso, além de todos os que eu já tenho.

A professora Márcia, minha orientadora no estágio, também formou-se em Filosofia pela UERJ. Ela é uma pessoa muito atenciosa e muito inteligente. Mas o que me chamou a atenção foi que ela estava profundamente impressionada com uma situação com a qual ela deparou-se naquela semana.

Márcia ia fazer uma prova na UERJ por causa de outro curso que ela está fazendo. Ao chegar ao prédio da universidade, ela deu de cara com um corpo estirado no chão. Uma jovem havia pulado do décimo segundo andar do prédio. O suicídio não é novidade no complexo da UERJ. Muitas pessoas já entraram no prédio só para pular para a morte. Raríssimos são os casos de alunos da própria faculdade. As pessoas que vão até ali não fazem parte da comunidade universitária. Não que os alunos não tenham alguns bons motivos para pular...

Márcia perguntou-me: O que você acha que leva uma pessoa a se matar? Loucura?

Eu respondi: Não. Não acho que seja loucura suicidar-se. Pode ser até muito racional matar-se. A questão sobre se a vida vale a pena é muito pertinente. E se a resposta for que não vale a pena sofrer em vão, o suicídio pode ser a decisão mais lógica.

Ela respondeu: É verdade. Pode ser um excesso de racionalidade.

Bem, fui atrás de algo interessante sobre o assunto. Achei Albert Camus, filósofo que levantou a mesma questão, e fiquei surpreso que minha limitada inteligência tenha alcançado um pensamento semelhante ao dele. E a questão não é nada despropositada, pois, segundo a Wikipédia, 815.000 pessoas cometeram suicídio só no ano 2000 — uma morte a cada 40 segundos.

Um livro que trouxe enorme contribuição para o campo da reflexão sobre o suicídio foi o livro do sociólogo francês Émile Durkheim. O Suicídio, publicado em 1897, foi um estudo de caso de um suicídio, uma publicação única em sua época que trouxe um exemplo de como uma monografia sociológica deveria ser escrita.

Todos os grupos sociais registram suicídios em alguma medida. Durkheim diferenciou quatro tipos de suicídio:

Émile Durkheim

Suicídio egoísta
O egoísmo é um estado onde os laços entre o indivíduo e os outros na sociedade são fracos. Uma vez que o indivíduo está fracamente ligado à sociedade, terminar sua vida terá pouco impacto no resto da sociedade. Em outras palavras, existem poucos laços sociais para impedir que o indivíduo se mate. Esta foi a causa vista por Durkheim entre divorciados.

Suicídio altruísta
O altruísmo é o oposto do egoísmo, onde um indivíduo está extremamente ligado à sociedade, de forma que não tem vida própria. Indivíduos que cometem suicídio baseado no altruísmo morrem porque acreditam que sua morte pode trazer uma espécie de benefício para a sociedade. Em outras palavras, quando um indivíduo está tão fortemente ligado à sociedade, ele cometerá suicídio independentemente de sua própria hesitação se as normas da sociedade o levarem a tal.

Durkheim viu isto ocorrer de duas formas diferentes: onde indivíduos se veem sem importância ou oprimidos pela sociedade e preferem cometer suicídio. Ele viu isto acontecer em sociedades "primitivas" ou "antigas", mas também em regimentos militares muito tradicionais, como guardas imperiais ou de elite, na sociedade contemporânea; onde indivíduos veem o mundo social sem importância e sacrificariam a si próprios por um grande ideal. Durkheim viu isto acontecer em religiões orientais, como o Sati no Hinduísmo. Alguns sociólogos contemporâneos têm usado esta análise para explicar os kamikazes e os homens-bomba.

Suicídio por anomia
A anomia é um estado onde existe uma fraca regulação social entre as normas da sociedade e o indivíduo, mais frequentemente trazidas por mudanças dramáticas nas circunstâncias econômicas e/ou sociais. Este tipo de suicídio acontece quando as normas sociais e leis que governam a sociedade não correspondem com os objetivos de vida do indivíduo. Uma vez que o indivíduo não se identifica com as normas da sociedade, o suicídio passa a ser uma alternativa de escape. Durkheim viu esta explicação para os suicidas protestantes.

Suicídio fatalista
O fatalismo é o estado oposto à anomia, onde a regulação social é completamente instilada no indivíduo; não há esperança de mudança contra a disciplina opressiva da sociedade. A única forma do indivíduo ficar livre de tal estado é cometer suicídio. Durkheim viu esta razão nos escravos que cometeram suicídio na Antiguidade, mas viu uma relevância mínima na sociedade moderna.



FRANÇA: Gays e bissexuais estão mais expostos ao suicídio

Segunda-feira, 7 de março de 2005

Estudo divulgado pelo jornal francês Libération nesta sexta-feira, 4/3, revelou que gays e bissexuais estão mais expostos a cometer uma tentativa de suicídio que os heterossexuais. O estudo, realizado na França entre 1998 e 2003, revela que um de cada três indivíduos que comete uma tentativa de suicídio é homossexual ou bissexual. De acordo com a pesquisa, eles também mal se protegem nas relações sexuais com parceiros desconhecidos. Segundo Marc Shelly, médico de saúde pública do Hospital Fernand-Vidal de Paris e um dos autores do estudo, a tendência ao suicídio neste setor da população não está vinculada a fatores geográficos, socioprofissionais ou ao fato de viverem sós ou em família, mas a fatores psicossociais, como "a homofobia que provoca uma péssima estima pessoal". Na opinião do porta-voz da federação francesa de centros de gays e lésbicas (CGL), David Auerbach, "o relatório confirma o que vivemos a cada dia". "Se extrapolarmos os resultados, podemos considerar que a metade dos jovens suicidas são homossexuais ou questionam sua orientação sexual", acrescenta. Segundo Auerbach, "o suicídio não está vinculado à homossexualidade, mas à homofobia e é preciso fazer campanhas de prevenção". O estudo, realizado com 933 homens entre 16 e 39 anos, foi elaborado por pesquisadores independentes franceses sob a supervisão do Instituto Nacional da Saúde e da Investigação Médica (INSERM).

O corpo que Márcia viu estirado na UERJ esta semana não é o único de que tomei conhecimento. No semestre passado, outro caso chamou-me a atenção. Foi o caso de um rapaz que teve uma decepção amorosa com outro. Parece que ele não conseguia suportar o final do relacionamento e decidiu jogar-se. Morreu, logicamente. Fiquei pensando em como a perda de alguém que a gente ama pode traduzir-se em final para muitos de nós, independentemente da orientação sexual.

O fato de alguém não ter se suicidado ainda não significa que esteja confortável com a própria vida. Muita gente não se sente à vontade nem com a vida e nem com a morte. Como diz Emil Cioran: A obsessão pelo suicídio é própria de quem não pode viver, nem morrer, e cuja atenção nunca se afasta dessa dupla impossibilidade.

Eu, particularmente, acredito que viver dispense qualquer justificativa. Não preciso de razões pós-mundanas, nem moralistas, nem românticas, ou de qualquer outra ordem para querer viver. O mesmo valeria para a morte. Nada me impediria de querer morrer, exceto o fato de que, neste momento, sinto-me muito bem vivendo! Não posso descartar o fato de que ter filhos também me motive a levar a vida de um jeito diferente do que levaria se não os tivesse. Se não tivesse filhos, poderia correr mais riscos financeiros, por exemplo. Estar desempregado num momento e empregado em outro não faria muita diferença. Viver no Rio de Janeiro ou enfiar-me no meio do mato e comer da pesca e da caça também não faria a menor diferença. Mas, como tenho responsabilidades para com eles, fico mais retido em algumas das minhas aventuras em potencial.

E, como gosto de viver (a maior parte do tempo!!!), procuro ser feliz o máximo que eu possa. Esta felicidade não depende de coisas extraordinárias. Ela se atém a coisas bem cotidianas quase o tempo todo. Agora, sinceramente, não sei se eu insistiria em viver se a vida fosse somente dor. Por isso, jamais condenaria aqueles que decidem interrompê-la quando ela não faz mais sentido ou é somente sofrimento. Acredito que seja um direito de qualquer indivíduo a escolha entre continuar vivo ou morrer. Aliás, só o indivíduo tem direito de decidir sobre viver ou morrer. Tudo o mais é homicídio e, a meu ver, é ilegítimo. Não sei como a sociedade, de um modo geral, pode ser tão avessa ao suicídio e encarar com certa naturalidade a cadeira elétrica, a câmara de gás, o enforcamento, o pelotão de fuzilamento, a guerra etc.

Talvez uma boa receita para sofrer menos seja lembrar menos. Ter pouca memória para o que nos fez ou faz sofrer evita o ressentimento. E tem ainda o outro lado dessa mesma moeda. Veja o que diz Nietzsche: A vantagem de ter péssima memória é divertir-se muitas vezes com as mesmas coisas boas como se fosse a primeira vez.

Viver sem esperanças excessivas e sem medos infundados. Eis a melhor receita para a paz pessoal!


E banana pra quem se ressentir da felicidade alheia!!!!

Comentários

  1. Obrigado, Hanna.

    Seja sempre bem-vinda!

    Abração,
    Sergio Viula

    ResponderExcluir
  2. Excelente reflexão...!!
    O formato da banana ao final, achei hilário!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Que bom, Roberto! Obrigado por ter lido e pelo feedback.

      Abração,
      Sergio Viula

      Excluir

Postar um comentário

Deixe suas impressões sobre este post aqui. Fique à vontade para dizer o que pensar. Todos os comentários serão lidos, respondidos e publicados, exceto quando estimularem preconceito ou fizerem pouco caso do sofrimento humano.