Educar para a diversidade, inclusive sexual e de gênero

Por Sergio Viula



Paulo Freire, o maior referencial em educação no Brasil, apesar de tantos outros pensadores, pedagogos, professores já terem contribuído e continuarem contribuindo imensamente para o aprimoramento dos processos que escolarizam milhões de brasileirinhos e brasileirinhas, do letramento à especialização pós-acadêmica, deixou-nos grandes lições.

Se todas tivessem sido realmente apreendidas, talvez não precisássemos amargar o fato de que todo esse percurso nem sempre é tão emancipador quanto deveria ser. Ao longo da jornada muito do que deveria ser vivenciado deixa de sê-lo, enquanto experiências que não deveriam acontecer no ambiente escolar ou acadêmico insistem em se repetir, para prejuízo de todos.

No site da PUC, encontramos esse sucinto e precioso texto sobre a pedagogia de Paulo Freire, que pode nos dar boas indicações do que se significa educar. Grifei o que considero mais importante para esse post:

Paulo Freire propõe uma pedagogia da autonomia na medida em que sua proposta está "fundada na ética, no respeito à dignidade e à própria autonomia do educando" (FREIRE, 2000a, p. 11). Optamos por usar a expressão "educação para a autonomia" com o objetivo de enfatizar que a autonomia deve ser conquistada, construída a partir das decisões, das vivências, da própria liberdade. Ou seja, embora a autonomia seja um atributo humano essencial, na medida em que está vinculada à ideia de dignidade, defendemos que ninguém é espontaneamente autônomo, ela é uma conquista que deve ser realizada. E a educação deve proporcionar contextos formativos que sejam adequados para que os educandos possam se fazer autônomos.

A temática da autonomia que ganhou centralidade nos pensadores e na educação moderna, ganha em Paulo Freire um sentido sócio-político-pedagógico: autonomia é a condição sócio-histórica de um povo ou pessoa que tenha se libertado, se emancipado, das opressões que restringem ou anulam sua liberdade de determinação. E conquistar a própria autonomia implica, para Freire, em libertação das estruturas opressoras. "A libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela" (FREIRE, 1983, p.32). Não há libertação que se faça com homens e mulheres passivos, é necessária conscientização e intervenção no mundo. A autonomia, além da liberdade de pensar por si, além da capacidade de guiar-se por princípios que concordem com a própria razão, envolve a capacidade de realizar, o que exige um homem consciente e ativo, por isso o homem passivo é contrário ao homem autônomo. (online em 04/07/15: http://www.pucrs.br/edipucrs/online/autonomia/autonomia/capitulo4.html)

Infelizmente, há forças que concorrem com os esforços em promover a autonomia humana como experiência de todos, porque não interessa a determinados setores e/ou indivíduos conservadores, que se beneficiam egoisticamente da opressão, seja ela política, econômica ou social, que as pessoas sejam autônomas, donas de si e sujeitos ativos de suas próprias biografias.

O conceito de liberdade de determinação que, em Paulo Freire, está vinculado ao de autonomia, é extremamente oportuno e atual. Ser livre é poder determinar-se, dizer quem se é, o que se quer, como se deseja viver, que objetivos se pretende alcançar, como se pretende construir a própria biografia. E isso só é possível quando os indivíduos tornam-se autônomos, porque ser autônomo é ser consciente, pensar por si mesmo; é ser ativo na busca pela realização de si mesmo.

Uma educação que não proporcione o ambiente e os meios para que seus educandos sejam estimulados, provocados e desafiados a se libertarem daquilo que os oprime, construindo-se como desejam, não passa de outra máquina de subjugação ou de reprodução de opressões.

Isso é o que tem acontecido há muito tempo no Brasil: o sistema educacional, com suas diversas ramificações, tem reproduzido relações injustas, equivocadas, castradoras das liberdades, e violadoras da dignidade humana em muitos sentidos.

Desde os jesuítas, primeiros educadores do Brasil, com seu etnocentrismo judaico-cristão-europeu na 'educação' dos índios, até o professor universitário que, numa universidade pública, reproduz discursos machistas, homofóbicos, transfóbicos, racistas, classistas, ou qualquer outro, a educação tem mais conservado o que há de pior do que transformado para melhor.

No Brasil, a educação é administrada pelo Executivo, através do MEC (Ministério da Educação e Cultura). Entretanto, é o Legislativo que define os parâmetros legais, dentro dos quais, o Executivo pode agir. Claro que as Casas Legislativas (Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas e o Congresso Nacional) têm que agir dentro do que a Constituição determina. Caso, violem algum princípio constitucional ou se recusem a regulamentar leis que sejam fundamentais para a execução do que determina a Constituição, o Judiciário pode ser acionado, de acordo com cada instância de poder (municipal, estadual ou federal).

Com o aumento do número de legisladores oriundos de ambientes onde o pensamento é viciado em padrões opressivos que favorecem e até estimulam discursos excludentes e discriminadores contra aqueles que não se enquadram em seu restrito e existencialmente iníquo sistema de crença, pensamento, discurso e ação, o que tem acontecido é que uma atmosfera de beligerância contra os direitos dos seres humanos, enquanto tais, tem se instalado e se tornado cada vez mais sufocante dentro e fora dos ambientes educacionais.

Exemplo disso foi o que fizeram os vereadores de Fortaleza, capital do Ceará, que tiraram metas sobre diversidade sexual do Plano de Educação do Ceará. Foram 25 votos a 10. Isso é gravíssimo! O Vereador Paulo Diógenes (PPB) deu um depoimento emocionante em defesa da educação que contemple a diversidade sexual:

O vereador Paulo Diógenes (PPB) fez um discurso enfático para defender esses pontos do plano relembrando episódios de violência que sofreu em casa e na escola por ser gay. “O que se pede aqui é só que os professores saibam lidar com isso [com a diversidade sexual]. Quando era pequeno, eu sabia que era diferente, mas não sabia por quê. Eu não pedi para nascer gay, não. Aos 53 anos, vocês acham que eu quero sofrer por que é minha opção sofrer? Não é, não. Eu nasci assim.” (online em 04/07/15: https://memoria.ebc.com.br/cidadania/2015/06/vereadores-retiram-metas-sobre-diversidade-sexual-do-plano-de-educacao)

Sobre o que significa orientação sexual e identidade de gênero, vale citar o que se encontra no site do Partido dos Trabalhadores:

O termo orientação sexual se refere a como a pessoa se sente em relação à afetividade e sexualidade. Já a identidade de gênero faz referência a como cada um se reconhece dentro dos padrões de gênero estabelecidos socialmente. Assim, não são somente as características biológicas que determinam a construção da identidade de gênero.

O ambiente escolar é considerado um dos principais lugares de construção dos saberes da criança, incluindo as construções das identidades e, consequentemente, das diferenças. Assim, a ideia de incorporar o tema aos Planos de Educação visava propiciar uma discussão para diminuir o preconceito nas escolas, além de preparar as instituições de ensino para combater a discriminação racial, de orientação sexual ou de identidade de gênero. (online em 04/07/15: http://www.pt.org.br/identidade-de-genero-e-diversidade-sexual-devem-ser-discutidas-nas-escolas/)

Até a data desse post (04/07/15), as referências à identidade de gênero foram excluídas dos Planos Estaduais de Educação dos seguintes estados (D.F. incluído):

1. Pernambuco

2. Espírito Santo

3. Paraná

4. Distrito Federal

5. Acre

6. Tocantins

7. Paraíba

8. Rio Grande do Sul

Isso, sem contar os diversos municípios por todo o País, entre eles chamo atenção para a cidade de Cuiabá:

Os vereadores de Cuiabá aprovaram na noite desta terça-feira (23) o projeto que institui o Plano Municipal de Educação (PME), porém, com algumas alterações a pedido de um grupo de católicos que foi até a Câmara Municipal para cobrar que os termos ideologia de gênero, diversidade sexual e orientação sexual fossem retirados do texto. O plano define as políticas de educação para os próximos 10 anos.

Vários padres acompanharam a sessão, entre eles o reitor do Seminário Cristo Rei, em Várzea Grande, região metropolitana da capital, Reginaldo de Souza Oliveira. Para ele, algumas diretrizes do plano eram um atentado à democracia, já que o Plano Nacional de Educação tinha sido aprovado rejeitando os termos após ampla discussão. (online em 04/07/15: https://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2015/06/catolicos-vao-camara-de-cuiaba-e-diversidade-sexual-e-retirada-de-plano.html)

Em Ponta Grossa, Paraná, os Vereadores se renderam à pressão de entidades religiosas e retiraram termos como "gênero" e "diversidade" do Plano Municipal de Educação. Essas diretrizes serão referência no Município pelos próximos 10 anos.

O estudante do Mestrado em Geografia da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), William Hanke, realizou em 2013 uma pesquisa sobre homofobia no espaço escolar, que consultou 1996 estudantes do ensino médio em seis colégios públicos de Ponta Grossa. “O preconceito homofóbico constitui o espaço escolar de Ponta Grossa. Muitas pessoas sofrem e acabam não falando sobre esse preconceito. Só quem sabe, é quem sofre. Os outros não querem ver”, explica. (online em 04/07/15: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/ponta-grossa-camara-retira-termos-como-genero-e-diversidade-do-pme-1swn04uhlh2m1i79mjrt2osiy/)

Em Porto Alegre, foi aprovada uma emenda, pela qual, foram retiradas do PME as palavras "gênero", "estudo de gênero", "identidade de gênero", "sexualidade", "orientação sexual" e "diversidade sexual".

Na visão da vereadora Fernanda Melchionna (PSOL), a retirada do assunto da pauta escola é um "retrocesso":

— Vai na contramão da história, é um retrocesso. Mantém a cultura do ódio, estimula o bullying e o preconceito LGBTs. E a escola, que deveria ser um espaço inclusivo e um espelho da sociedade, não reflete a diversidade que vivemos aqui fora. O plano aprovado é conservador e autoritário — afirma Fernanda. (online em 04/07/15: https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2015/06/com-beijaco-gay-e-manifestacoes-plano-municipal-de-educacao-e-aprovado-sem-incluir-identidade-de-genero-4788316.html)

Já o Município de Tocantinópolis, no Estado de Tocantins, cumpriu bem seu papel de garantir que o PNE (Plano Nacional de Educação) encontre viabilidade em seu território. Os Vereadores vetaram medida que tentava revogar os termos diversidade de gênero e diversidade sexual do Plano Municipal de Educação. E foi por unanimidade! Parabéns, Vereadores de Tocantinópolis! Conferir: 
https://conexaoto.com.br/2015/06/23/tocantinopolis-veta-medida-que-revoga-os-termos-diversidade-de-genero-e-diversidade-sexual-do-plano-municipal-de-educacao

Recomendo também a matéria da Folha de São Paulo que faz um mapeamento interessante das discussões e seus desdobramentos:
https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/06/1647528-por-pressao-planos-de-educacao-de-8-estados-excluem-ideologia-de-genero.shtml

Infelizmente, conforme o texto da própria Folha, na matéria supracitada, a CNBB optou por ficar ao lado dos que preferem silenciar aqueles que não se enquadram em sua pequena moldura de possibilidades existenciais. Vê-se que o recurso à propagação do pânico social ainda ronda os meandros da Igreja Católica, apesar de ser mais visível em alguns setores evangélicos, principalmente neopentecostais:

A CNNB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) divulgou nota em que afirma que "a introdução dessa ideologia na prática pedagógica das escolas trará consequências desastrosas para a vida das crianças e das famílias”.

É nítida a ignorância ou má-fé (não sei bem se uma ou outra, ou se ambas) da parte desses bispos e de outras pessoas que pensam como eles no que se refere ao horizonte das possibilidades humanas em termos existenciais.

O argumento de que "valores se ensinam em casa" não poderia estar mais distante da realidade e dos mais básicos conceitos sobre educação. Não apenas isso, mas revela má-fé e hipocrisia, porque quando se trata de ensino religioso, eles não admitem o mesmo argumento da parte de quem diz que doutrinação religiosa se faz em casa. Mas mesmo aqui, o respeito a todas as fés e agremiações religiosas também se aprende na escola, do mesmo jeito que deve se dar com as sexualidades e as identidades de gênero: cada um tem a sua, mas tanto a família, como a escola ou qualquer outra instituição social devem aprender a respeitar essas particularidades, sem silenciá-las, caso contrário incorreriam em violação à dignidade dessas pessoas.

Claro que existem muitos religiosos que aprovam a inclusão total das pessoas sexodiversas e transgêneras, mas muitos deles não se colocam pro-ativamente, e aqueles que levantam sua voz não são ouvidos como deveriam, porque em suas próprias comunidades, são ignorados e acabam não tendo o mesmo poder de mobilização.

O Plano Nacional de Educação, assim como o Planos Estaduais de Educação e os Planos Municipais de Educação têm impacto sobre toda a comunidade escolar brasileira, seja ela pública ou privada. E como diversas organizações religiosas são donas de escolas e até de universidades, pretendendo manter seu monopólio sobre a produção de verdades a respeito do que é ser humano e do que é viver eticamente como tal, a movimentação dos representantes dessas organizações beira o patético ou até o insano: querem usar as escolas como braço do templo para reproduzir o que não não encontra a menor justificativa racional: o preconceito. E quem sai perdendo com isso? Toda a sociedade, porque os indivíduos que não se encaixarem nas estreitas formas dogmáticas desses senhores serão ignorados ou excluídos - o que, em última instância, gera problemas de ordem emocional e social, inclusive a violência que vem das ruas para a escola e volta da escola para a rua sem ser modificada, sem ser coibida, estancada, vencida pelo conhecimento racional e por uma atitude humanista para com todos.

Atualmente, o que vemos é um renovado ataque à laicidade.

As escolas governamentais têm que ser absolutamente laicas, e mesmo aquelas que são privadas precisam atender a algum nível de laicidade, uma vez que não estão excluídas de um contexto sócio-político-econômico que só será bom para todos se girar em torno do eixo da laicidade.

Com isso, quero dizer que mesmos as escolas confessionais (ligadas à igrejas e sinagogas, por exemplo) não podem ignorar princípios fundamentais para a convivência pacífica e respeitosa entre todos e para com todos.

Por exemplo, se nenhuma escola pode se omitir diante do racismo, por que deveria se omitir diante da LGBTfobia?

O ambiente escolar, suas técnicas e processos devem atender ao princípio áureo da dignidade humana e da autonomia dos indivíduos para a autodeterminação, garantindo-se o mesmo direito a todos.

A LGBTfobia não está apenas em algumas pessoas no ambiente escolar, individualmente. Ela faz parte do próprio sistema educacional. O modo como ele foi construído e seu modus operandi produzem, reproduzem, e valoram positivamente os discursos excludentes, discriminatórios, hierarquizadores a respeito dos corpos e de como devem se relacionar afetivamente, inclusive sexualmente. Enquanto esse sistema iníquo não for modificado, continuaremos agenciando e sendo agenciados por forças que produzem configurações opressoras tanto política, como econômica, como socialmente.

A mudança passa pelo enfrentamento às forças conservadoras, fanatizantes, fundamentalistas e totalitaristas. Não há como simplesmente ignorar que essas injustiças atendem aos interesses de quem faz da opressão e da subjugação um modus operandi para o atingimento de objetivos nada humanistas.

E, sim, a discriminação afeta o desempenho dos alunos homossexuais, transexuais, etc. Veja essa matéria da Agência Brasil: 
https://educacao.uol.com.br/ultnot/2009/07/24/ult105u8412.jhtm (online em 04/07/15)

Chamo atenção para a fala da psicóloga especialista em sexualidade da UCB (Universidade Católica de Brasília), Claudiene Santos, alertando que a homofobia no espaço escolar está presente em todos os níveis - desde o ensino fundamental até o superior:

A autoestima dessas pessoas que são discriminadas fica muito baixa. Como ela pode estar em um lugar em que os outros não a aceitam como ela é de verdade? A consequência em geral é a evasão", acrescenta a especialista, que integra o Grupo de Pesquisa Sexualidade e Vida, da Universidade de São Paulo (USP/CNPq).

Assim sendo, precisamos pensar e agir para a construção de uma educação LAICA, HUMANISTA, que estimule e capacite todos os membros da comunidade escolar, tanto em CIÊNCIA como em TECNOLOGIA e nas HABILIDADES SOCIAIS que ampliem os espaços para a efetivação da AUTONOMIA dos indivíduos alcançados pela máquina educacional, seja na escola infantil, elementar, de ensino médio, de ensino técnico, de ensino superior, de pós-graduação, ou naquelas que funcionem em paralelo a essa linha - mais ou menos reta - de progressão acadêmica.

Deixo uma dica para educadores: o Portal do Professor no site do MEC pode render boas ideias para aulas criativas e produtivas em relação a um sem-número de temas, inclusive gênero e diversidade sexual. Busque por palavras chaves dentro do próprio portal:

Veja, por exemplo, os resultados que vêm com o termo "homossexualidade" na ferramenta de busca: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/buscaGeral.html?q=homossexualidade

Não podemos mais fazer de conta que não temos o que dizer em favor da inclusão plena, ou que não ouvimos a voz dos que são constantemente discriminados e até perseguidos, ou que não vemos as injustiças que acontecem nos ambientes educacionais, principalmente contra alunos, mas não exclusivamente, porque professores e outros servidores também são alvos de discriminação quando se assumem como lésbicas, gays, bissexuais ou transgêneros (LGBT) ou simplesmente parecem sê-lo.


Pessoalmente, como professor e sendo gay assumido, com entrevistas rolando pela internet e veículos de comunicação de grande alcance, seria impossível viver dentro do armário em sala de aula. Portanto, quando algum aluno me diz que gostou do que leu ou ouviu em alguma dessas entrevistas, sempre encaro tudo com muita naturalidade e respondo ao que me perguntam. Por outro lado, se não me perguntarem sobre isso, não entro no mérito, porque essas matérias tem a ver com ativismo pró-inclusivo, refutação aos movimentos de cura gay e outras esquisitices fundamentalistas, que nem sempre são as questões que os próprios alunos tematizam em suas vidas pessoais.

Entretanto, omissão é uma palavra que passa longe da minha prática pedagógica. Sempre que o tema surge espontaneamente, tiro proveito da ocasião para produzir esclarecimento e reflexão humanista em torno do mesmo. Ensino incidental.

Se houver algum episódio de discriminação, aproveito para promover esclarecimento e união, sem constranger ainda mais a pessoa que possa ter sido vítima do comentário ou atitude em questão.

Há momentos nos quais também provoco a discussão através de material previamente desenhado (ensino planejado). E os temas podem ser os mais diversos: casamento igualitário, novos arranjos familiares, autodeterminação na identidade de gênero, etc.

Muita coisa vem da própria cultura popular, dos temas que são colocados nas redes sociais, enfim, da experiência dos próprios alunos.

Foi por causa de uma dessas saudáveis discussões que, dia desses, perguntei aos meus alunos quem conhecia alguém gay, lésbica, bissexual ou transgênero, e como era conviver com eles. As respostas foram fantásticas. Todos eles tinham amigos LGBT. Alguns eram amigos de seus pais e ambos se visitavam em eventos sociais ou simplesmente familiares. A mais surpreendente de todas foi de um aluno, cujo pai era separado da mãe dele e casado com outro homem há alguns anos. Detalhe: o pai e a mãe continuavam amigos. O aluno vivia com a mãe, mas visitava o pai em São Paulo, que mora com o parceiro. Adorei quando ele disse com todas as letras e sem pedir licença ou desculpas: meu pai é gay e casado com outro cara. Todos ficaram admirados, porque ninguém sabia desse aspecto da experiência do colega, mas aquele momento em sala deu propiciou o espaço para essa troca. E o mais gostoso foi ver como todos, apesar da surpresa, por nunca terem ouvido o colega dizer isso, foram extremamente carinhosos, absolutamente inclusivos, e esse meu aluno nunca foi alvo de bullying depois disso, fosse na minha aula ou fora dela.

De que maneira isso poderia ser um perigo para os alunos e seus familiares, senhores bispos da CNBB e outros conservadores? Muito pelo contrário, senhores clérigos.

No final das contas, nós professores podemos fazer, e fazemos, quando queremos, mais do que qualquer outro agente social poderia fazer ou nos impedir de fazer.

Professor, não se acovarde em seu papel de promotor do conhecimento e das habilidades sociais que devem acompanha-lo. Seja qual for sua orientação sexual, identidade de gênero, cor, religião ou classe social, qualquer que seja o marcador social, cultural e/ou biológico que hajam atribuído a você, ou que você mesmo tenha assumido como melhor tradução de si mesmo(a), trabalhe pela emancipação dos sujeitos, pela autonomia dos indivíduos, pela liberdade e igualdade em toda a diversidade humana. Não recue diante dos retrógrados. Trabalhe em torno dos eixos da laicidade, do humanismo e do secularismo. Seus alunos serão gratos, assim como eu sempre fui aos meus professores e agora recebo o mesmo dos meus alunos.

"Brasil, um país de todos" rima bem com "Brasil, pátria educadora", mas a questão é educar para o quê? Para o aumento da desigualdade ou para a promoção da igualdade e da paz?

Postado em 04 de julho de 2015 por Sergio Viula

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