China remove aplicativo de encontros gays e amplia a repressão online contra a comunidade LGBTQIA+

O Grande Filtro Digital: China remove Blued e Finka e amplia a repressão online contra a comunidade LGBTQIA+




Por Sergio Viula


Uma decisão recente tomada pela Administração do Ciberespaço da China (CAC) acendeu um alerta global sobre liberdade digital, vigilância estatal e os direitos da comunidade LGBTQIA+ no país. As autoridades chinesas ordenaram a remoção de dois dos mais populares aplicativos de relacionamento e comunidade LGBTQIA+ — Blued e Finka — das lojas de aplicativos.

Embora a justificativa oficial seja vaga, a medida se insere em um movimento repressivo muito mais amplo.

Não é um caso isolado

Nos últimos anos, a China tem apertado o cerco sobre discursos considerados “sensíveis”, e isso inclui conteúdos relacionados à diversidade sexual e de gênero. Contas de organizações LGBTQIA+ em plataformas como WeChat e Weibo já vinham sendo apagadas sem aviso prévio, e diversos grupos universitários foram desmantelados digitalmente.

A remoção de Blued e Finka das lojas, portanto, não é apenas uma ação administrativa. É mais um capítulo de um processo sistemático de eliminação dos espaços de convivência, expressão e apoio que a tecnologia havia permitido construir.

A importância desses apps na China

Mesmo sendo muitas vezes classificados como apps de namoro, Blued e Finka cumprem papéis muito mais amplos para milhões de pessoas, especialmente em um país onde visibilidade LGBTQIA+ ainda encontra forte oposição do Estado.

Essas plataformas funcionavam como:

  • espaços de socialização e descoberta;
  • redes de apoio para jovens LGBTQIA+ em cidades menores;
  • ferramentas de redução de danos e saúde comunitária (incluindo campanhas de prevenção ao HIV e informações de saúde sexual);
  • pontos de encontro e de pertencimento para pessoas que vivem sob vigilância e invisibilidade forçada.

A decisão de removê-las das lojas digitais impacta diretamente o acesso de novos usuários a essas redes. Quem já tinha os aplicativos instalados ainda consegue utilizá-los, mas o bloqueio de novos downloads limita drasticamente a entrada de pessoas mais jovens ou recém-assumidas nesses ambientes seguros.

Como a comunidade reagiu

As reações foram imediatas e carregadas de preocupação. Ativistas chineses têm descrito a sensação de que “o espaço de vida para minorias sexuais está encolhendo”, indicando que agora até ambientes antes considerados relativamente neutros — como a esfera digital — tornam-se alvo de controle.

Usuários comentaram que o Blued foi, para muitos, o primeiro lugar onde perceberam que não estavam sozinhos. Sua remoção simboliza não apenas perda de acesso, mas o apagamento simbólico de uma comunidade que já enfrenta dificuldades profundas de representação.

Organizações como PFLAG China lamentaram publicamente a decisão, destacando que esses aplicativos ajudavam homens gays a viver de forma mais estável, saudável e conectada. Advogados que atuam com direitos humanos questionaram inclusive a legalidade da medida, considerando que os apps operavam há quase dez anos sob regras claras.

Caminhos de contorno e estratégias de sobrevivência digital

Mesmo com as restrições, a comunidade busca alternativas. Entre elas:

  • uso contínuo dos apps por quem já os tinha instalados;
  • versões “reduzidas” ou mais discretas ainda disponíveis em algumas lojas;
  • migração para plataformas internacionais acessíveis via VPN;
  • redes offline ou semi-privadas que buscam escapar da vigilância.

Empresas como o BlueCity Group, responsável pelo Blued, também têm diversificado suas funções, investindo em telemedicina e serviços de saúde masculina — áreas que tendem a ser menos alvo de repressão direta.

Mas a realidade permanece dura: o ecossistema digital LGBTQIA+ na China está encolhendo, e isso impacta vidas reais.

O que isso significa globalmente

O caso ilustra como a luta por direitos LGBTQIA+ hoje passa também pela disputa em torno da infraestrutura digital. Apps, redes sociais e plataformas deixaram de ser apenas “ferramentas” e se tornaram espaços vitais de existência, conexão, cuidado e expressão.

Quando esses espaços são restringidos ou eliminados, não se perde apenas um serviço: perde-se parte da comunidade.

Para o ativismo global, este episódio reforça a necessidade de acompanhar atentamente não só as leis que regulam pessoas LGBTQIA+, mas também as leis que regulam o ambiente digital — onde grande parte da vida, do apoio e da construção de identidade acontece.

Apps de encontro não são ambientes seguros

No Brasil, diversos crimes — incluindo crimes de ódio motivados por homofobia e transfobia — têm sido cometidos por pessoas que se aproveitam da vulnerabilidade de usuários de aplicativos de encontro. O Blog Fora do Armário já tratou desse tema em outras ocasiões. Uma dessas publicações pode ser lida aqui:

https://www.xn--foradoarmrio-kbb.com/2023/03/um-de-voces-quer-so-diversao-mas-outro.html

Isso, porém, não pode ser usado como justificativa para o banimento desses aplicativos. O ponto central é que usuários precisam adotar cuidados básicos e realistas: ao marcar encontros virtuais que possam evoluir para o presencial, é fundamental manter atenção redobrada e priorizar práticas de segurança.

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