Cidadania e Direitos Humanos – LGBT

Cidadania e Direitos Humanos – LGBT
"Toda maneira de amor vale a pena. Toda maneira de amor vale amar".
Milton Nascimento
1. Introdução
Tendo em vista a história de séculos de perseguição, discriminação, assassinatos e muitas outras atrocidades cometidas contra pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais ou até mesmo aquelas que têm seu comportamento associada a tal, é chegada a hora da mudança.
Em 2012 os pleitos são a oportunidade de elegermos candidatos(as) realmente dispostos(as) com as causas LGBT e de Direitos Humanos. Os(as) mesmos(as) devem ser seguros(as) de suas posições estando emparelhados(as) com os movimentos sociais e comunitários que compartilham a vontade de tornar esse país mais igualitário, justo, laico, sem discriminação, sem machismo e livre de qualquer tipo de violência.
2. Homofobia e o papel das pré-candidaturas em 2012
A homofobia é um dos principais problemas do Brasil. Milhões de pessoas sofrem cotidianamente violência verbal, violência física, discriminação de todos os tipos, agressões e até mesmo são assassinadas em virtude de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero.
A homofobia está presente nas escolas, nas famílias, nos locais de trabalho. Da piada à violência letal, as diversas e reiteradas manifestações homofóbicas fazem parte da vida da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
O movimento LGBT no Brasil (que se organiza a partir de 1979) tem hoje uma importante força política e visibilidade social. São centenas de grupos que atuam na promoção dos direitos humanos. São cerca de 200 Paradas e manifestações do Orgulho LGBT em todo o Brasil.
É muito importante que as pré-candidatas e os pré-candidatos às prefeituras e às Câmaras Municipais incorporem nas campanhas e nos programas a pauta da cidadania LGBT, a pauta da defesa dos direitos humanos LGBT, a agenda do combate à homofobia.
Nossas cidades são plurais, nossas sociedades são heterogêneas. Lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais constituem uma população importante, presente em todo o território nacional. Um setor historicamente discriminado o qual devemos incorporar nas campanhas, que demanda políticas públicas e ações legislativas.
Os militantes LGBT não tem medo do bom debate, de defender as boas causas. Somos um movimento que nasce vinculado às lutas sociais, comprometido desde nossas raízes com o combate à exploração, à opressão, ao machismo, ao racismo e também à homofobia. Defender a universalidade e a integralidade dos direitos humanos, bem como a igualdade entre todas as pessoas deve ser a plataforma de todos os Partidos e de suas candidaturas em todos os níveis.
3. Estado laico e direitos LGBT
Ao se colocar claramente na defesa da igualdade, contra a homofobia, pela promoção da cidadania LGBT as pré-candidatas e pré-candidatos vão se deparar com reações adversas, com um discurso conservador, moralista, preconceituoso. Provavelmente de cunho fundamentalista religioso.
Por isso, é muito importante ressaltar que o Estado brasileiro é laico. Ou seja, não se pauta por nenhuma religião, não interfere em nenhuma religião, não discrimina nenhuma crença, nem os que não creem. A base da democracia brasileira é a Constituição que garante a liberdade religiosa, mas garante também a igualdade e a não discriminação por qualquer motivo.
Convivemos desde o início com militantes de todas as religiões, assim como ateus e agnósticos. Essa base laica é que nos permite separar as convicções pessoais religiosas (que são da esfera do privado) das posições políticas (que são da esfera social).
Apoiar os direitos dos homossexuais e lutar contra a homofobia deve ser parte do compromisso de todas nossas campanhas, independente da crença de cada pré-candidato(a).
A atual conjuntura tem sido marcada por um acirramento de posições e um avanço do conservadorismo e do fundamentalismo religioso. Os militantes estão do outro lado da trincheira, do lado progressista: defendemos a liberdade religiosa e ao mesmo tempo os direitos humanos em sua plenitude. Combatemos o preconceito e a discriminação contra LGBT.
Reafirmar a laicidade do Estado e a igualdade entre todas as pessoas é parte importante da consolidação da democracia brasileira. Esse é um tema que tende a aparecer com destaque nas eleições de 2012.
4. Políticas Públicas LGBT
Em 2004, foi lançado o programa Brasil sem Homofobia, inédito em todo o mundo. Composto por 53 diretrizes, em diversos Ministérios esse programa lançou as bases para a incorporação definitiva das políticas afirmativas LGBT na agenda do Executivo – em todos os níveis.
Avanços aconteceram a partir daí. Em 2008, houve a primeira Conferência Nacional LGBT. Em 2009, foi lançado o Plano Nacional de Direitos Humanos e Políticas Públicas LGBT. Em 2010 foram criada a coordenadoria LGBT na Secretaria de Direitos Humanos, bem como o Conselho Nacional LGBT, que começou a funcionar em 2011. Nesse mesmo ano, aconteceu a II Conferência Nacional LGBT.
A partir dessas ações do governo federal foram implementadas políticas públicas LGBT em muitos Estados e prefeituras. Mas, ainda há muito que fazer, pois não chegamos ao menos a uma centena de prefeituras que possuem algum tipo de política ou estrutura específica, que reconheça os direitos LGBT.
O tripé da Cidadania LGBT
De forma geral, nos últimos anos o movimento LGBT de todos os cantos do Brasil tem trabalhado com a formulação de que para melhorar a vida de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, o caminho a ser seguido é o da implementação de iniciativas em três esferas:
1. Em primeiro lugar, é necessário que a administração municipal designe dentro de sua estrutura um espaço específico para lidar com estas questões. Não importa o nome que venha a receber – Coordenadoria, Núcleo, Divisão, Superintendência, as demandas LGBT só poderão ser contempladas se houver pessoas destacadas para cuidar delas, com recursos humanos e materiais suficientes. Como, por exemplo, a Divisão de Políticas LGBT de São Carlos-SP, município que hoje pode ser considerado uma "vitrine" de boas práticas com relação a esta temática.
2. Para que as políticas públicas de fato contemplem um olhar para as necessidades reais da população LGBT é preciso que esta, através de seus representantes eleitos, fiscalize a ação da Prefeitura. Para tal, é necessário criar um Conselho Municipal de Cidadania LGBT, com paridade em relação ao poder público, que possa se constituir em espaço de diálogo, de crítica, de formulação de propostas, de controle social. É o espaço da participação popular, da participação cidadã. Uma forma da prefeitura elaborar políticas de maneira mais democrática e dialogar com a sociedade civil, conhecendo melhor a realidade, as demandas, as prioridades.
3. A elaboração de um Plano Municipal de Combate à Homofobia é elemento fundamental a dar sustentação ao tripé, pois de nada adianta haver um órgão na administração e um Conselho LGBT se não se tem clareza dos reais problemas enfrentados por esta população em termos de preconceito, invisibilidade (é como se não existissem perante as políticas públicas) discriminação (inclusive institucional pelos próprios serviços da Prefeitura), violação de direitos e, sobretudo, violência física. O Plano tem o caráter de orientar as políticas, que devem ser transversais. É importante que o Plano Municipal traga metas, prazos, responsáveis, e, principalmente, que tenha dotação orçamentária para implementar as políticas previstas.
Áreas que exigem maior atenção em políticas públicas
Embora a marginalização e exclusão social afetem todos os aspectos da vida de uma pessoa LGBT, existem áreas críticas em que as ações são mais urgentes:
a) Saúde – diversas pesquisas têm demonstrado que LGBT recebem tratamento diferenciado, isto é, mais rápido e menos acolhedor quando não ostensivamente hostis, implicando em condições mais precárias de vida a estas pessoas. É preciso humanizar o atendimento, respeitar a integralidade do usuário em suas características próprias de identidade de gênero e orientação sexual. O primeiro passo é capacitar os profissionais de saúde para que deixem de invisibilizar esta população e passem a tratá-la com o devido respeito.
b) Educação – são já bastante conhecidos os episódios de violência sofridos pelos LGBT nas escolas, fenômeno conhecido como bullying homofóbico. A rede de ensino municipal não pode fechar os olhos a esta situação, devendo agir no sentido de conscientizar tanto os profissionais de educação quanto os demais estudantes e suas famílias para que aprendam a conviver com formas diferentes de amar e vivenciar a sexualidade. Políticas específicas de combate à homofobia nas escolas devem estar no centro do programa das pré-candidaturas.
c) Segurança – são muitos os relatos de agressões que acontecem nas ruas, inclusive muitos deles envolvendo abuso por parte de policiais e de guardas municipais os quais, ao invés de proteger todos os membros da comunidade, agem no sentido de aumentar a discriminação. Chama a atenção particularmente a violência que é perpetrada contra travestis que são profissionais do sexo (sendo que a grande maioria delas se viu obrigada a sair da escola dada a hostilidade que enfrentaram quando eram alunas). É preciso treinar as forças de segurança para mudar esta triste realidade.
d) Cultura – para que um grupo social realmente se sinta participante de uma determinada coletividade, é fundamental que a imagem que tenham de si próprios e a maneira como são vistos pelo restante da sociedade seja positiva, destaque a contribuição que exercem para a diversidade, integração e harmonia entre todas e todos. Por isso, é importante que a comunidade LGBT possa se expressar através dos equipamentos culturais como mostras de arte, exibições de cinema, apresentações teatrais, musicais e de dança, entre outros. Além disso, sabemos que combater à homofobia exige um trabalho de longo prazo, que mude as bases da atual cultura dominante. Portanto, campanhas de combate à homofobia devem ser realizadas periodicamente pelos governos municipais.
e) Nome social: reconhecimento público e respeito – Nos últimos anos, um grande número de Prefeituras e Governos Estaduais baixou decretos e outras normativas, tornando obrigatório o uso do nome social de travestis e transexuais por parte dos serviços públicos que as atendem cotidianamente.
O nome social é aquele com o qual a pessoa se identifica independente do que consta na sua certidão de nascimento ou carteira de identidade. Significa entender que embora aquela pessoa tenha nascido com um determinado sexo biológico, ela se enxerga como pertencendo a outro gênero e quer ser tratada daquela forma.
Por isso, implantar este tipo de regulamentação é fundamental, mas em si só não basta, pois de nada adianta chamar uma travesti pelo seu nome feminino, mas continuar no fundo considerando-a como um "homem de peito", como um cidadão de segunda categoria, como uma aberração. Levando em conta que este segmento é o mais vulnerável socialmente (vive em condições mais precárias, tem acesso bem mais restrito à saúde, apresenta maior taxa de infecção frente ao HIV, tem baixa escolaridade e tende a ter seu "ganha-pão" a partir da comercialização do sexo), torna-se absoluta prioridade constituir uma rede de proteção e atendimento diferenciado para superar esta dura situação que se repente em praticamente todas as cidades brasileiras.
f) Centros de Referência – Um importante passo que pode ser dado no sentido de minimizar o estado de desatenção e até de abandono da população LGBT (e dentro dela, jovens que são expulsos de casa por rejeição da família ou que não conseguem prosseguir com os estudos, os desempregados que não contam com a seguridade social e que não tem fonte de renda alternativa, os que moram em áreas de extrema carência, os idosos) é a criação de um Centro de Referência. Este equipamento social que uma Prefeitura pode implementar deve contar com: 1. Advogados/as que possam lidar com as situações de discriminação e violação de direitos; 2. Psicólogos/as com habilidade para ajudar as vítimas do preconceito que muitas vezes legitimam a violência que sofrem devido a terem internalizado a homofobia; 3. Assistentes Sociais que possam orientar e encaminhar aqueles e aquelas que estejam em situação de vulnerabilidade social para que possam ter um teto, alimentação, higiene ou que consigam se reerguer para conseguir um trabalho e organizar sua vida com dignidade e respeito.
5. A agenda Legislativa da cidadania LGBT
É de fundamental relevância a atuação de nossos parlamentares na defesa da população LGBT nas Câmaras de Vereadores. Em primeiro lugar, porque exercem função de fiscalização da Prefeitura e podem convocar Secretários Municipais e demais gestores para responderem sobre as ações e omissões relativas a estes temas. Em segundo, podem propor leis que, ainda que com abrangência apenas local, impactem positivamente a vida daqueles e daquelas que sofrem a homofobia cotidiana.
O projeto de lei mais importante a ser apresentado é o de proibir a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, algo que já foi implementado em diversas cidades brasileiras e em alguns Estados. Não se trata de criminalizar a homofobia (pois esta é uma prerrogativa do poder público federal), mas tal lei (de caráter administrativo) pode criar constrangimentos a pessoas físicas e jurídicas que através de advertências, multas e até do fechamento de estabelecimentos comerciais que insistam em discriminar LGBT.
Há também projetos de leis que contribuem significativamente para a visibilidade positiva desta população, entre eles o de reconhecimento de 17 de Maio como Dia Municipal de Combate à Homofobia, 29 de janeiro como o Dia Municipal da Visibilidade de Travestis e Transexuais, o Dia 29 de Agosto com Dia Municipal da Visibilidade Lésbica, o dia 28 de Junho como Dia do Orgulho de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.
Tais leis podem prever que o poder público comemorará tais datas e abrem a oportunidade para uma série de ações de visibilidade (palestras, seminários, audiências públicas, debates, campanhas, etc).
Para além dessas ações de caráter estritamente legislativo, as pré-candidatas e pré-candidatos à Câmara podem se comprometer em colocar os seus mandatos à disposição da luta contra a homofobia, transformando-os em uma caixa de ressonância do movimento social LGBT, em uma referência permanente que acolhe denúncias e combate as violações dos direitos humanos dessa população.
Os parlamentares com certeza são pontos de apoio na construção de cidades mais coloridas, mais inclusivas, mais plurais, que respeitam a diversidade sexual.
Movimento LGBT do Estado de Santa Catarina com contribuições do Movimento LGBT Nacional
Comentários
Postar um comentário
Deixe suas impressões sobre este post aqui. Fique à vontade para dizer o que pensar. Todos os comentários serão lidos, respondidos e publicados, exceto quando estimularem preconceito ou fizerem pouco caso do sofrimento humano.