|
Sergio Viula na cafeteria do Centro Cultura da Justiça Federal, logo depois de comprar os três volumes |
Escrevo esse post no dia 15 de janeiro de 2015, às duas
horas da madrugada. Acabei de ler o terceiro livro da série de coletâneas de
contos, poemas, crônicas, cartas e depoimentos de Caio Fernando Abreu, lançada no final do ano de 2014: O essencial da
década de 1970, 1980, 1990 (três volumes, um para cada década). A editora é
a Nova Fronteira, velha aliada de Caio, enquanto vivo e agora depois de desvivido.
Tropecei nos três livros por acaso – repousavam ladeados
numa prateleira destacada, logo na entrada da belíssima Livraria Cultura da Av.
Senador Dantas, Centro do Rio de Janeiro. Meus olhos foram hipnotizados por
Caio automaticamente. Cheguei a falar sozinho: não acredito no que vejo, isso
aqui é precioso demais!
Um vendedor olhou sorrindo para mim e eu continuei: Gente,
Caio Fernando Abreu em três volumes, três décadas de trabalho, não acredito?
Que bom que eu entrei aqui hoje.
Catei os três livros imediatamente, já perguntando quanto
custavam, mas sem a menor intenção de desistir da compra, fosse qual fosse o
preço. O rapaz me informou que eu podia pagar em 3 vezes sem juros – pobre adora
isso! – e eu, fiel à minha classe social, pensei: ótimo será como se eu comprasse
um livro por mês. A última parcela vence em fevereiro. O mais importante é que
levei os três para casa no mesmo dia.
Adorei cada linha! Li os três volumes em pouco mais de um
mês. Isso porque estava às voltas com o lançamento do meu próprio romance O
homem que amava mendigos através do Amazon, além daqueles compromissos
sociais de final de ano que tomam mais tempo do que gostaríamos.
Não tenho como dizer de outro modo, mesmo que soe clichê: é
simplesmente fascinante conhecer Caio Fernando Abreu através de seus textos de
ficção: deliciar-me em seus emocionalmente intrincados contos; mergulhar em sua poética nas poucas obras que ele
escreveu nesse gênero; ver o Brasil e seus dilemas refletidos nas crônicas que publicou,
principalmente em jornais; e conhecer melhor seus dramas pessoais através das
cartas que ele trocava com familiares e amigos. Aliás, que arte maravilhosa – e
quase extinta – é essa de escrever epístolas!
Vendo a luta de Caio para produzir, publicar e sobreviver
através de subempregos (na Europa) ou mesmo empregos em edições de revistas (no Brasil) que ele só aceitou
porque não podia viver exclusivamente do que realmente gostava de fazer: literatura
– e no meio disso tudo letrar o que
pensava, sentia e imaginava, não tenho como evitar a ideia de que pouca coisa
mudou nesse país – se alguma – em termos de produção/mercado literário. Quantos
gênios fazendo bicos para viver como
Caio, lavando louças em Estocolmo, para sobreviver num período em que o Brasil
era um lugar perigoso demais para pessoas com ideias progressistas, questionadoras
e insubordinadas. Talvez ainda seja, mas já foi pior, bem pior.
Caio escreve literatura, mas gosto de ver quão gay suas letras podem ser. Nada de terreno comum. E engana-se quem pensa que é coisa de veado. Caio escreve contos ardentemente heterossexuais, mas também o faz com igual intensidade quando fala do amor entre homens. Sua genialidade está, entre outras coisas, na capacidade de lidar com eles e elas, seja na paixão, no desprezo, nos questionamentos existenciais, na espiritualidade mística e diversa que compõe seu próprio acervo pessoal – tanto no sórdido como no sublime.
Aconselho a leitura em ordem cronológica de
cada volume, porque é muito interessante ver seu amadurecimento tanto na escrita como
na vida entre os anos 70 e os 80, assim como sua persistente positividade e profícua produtividade,
apesar do sofrimento que enfrentou por causa da Aids nos primeiros anos da
epidemia.
Numa das cartas, ele fala sobre Cazuza, grande amigo a quem
teve a tristeza de enterrar.
Felizmente, Caio escreveu seu “Onde andará Dulce Veiga?” antes que as complicações da síndrome
interrompessem sua jornada. A obra rendeu-lhe enorme visibilidade na Europa, tendo
alcançado sucesso de público e crítica, traduzida para o francês e o alemão.
Talvez outras línguas depois disso.
Para sintetizar o que acabo de dizer, entrego a palavra ao próprio
Caio. O trecho abaixo está no final da
carta escrita para Maria Lídia Magliani, em São Paulo, a 12/07/1990 (p. 212 de O essencial da década de 1990):
Fui ao Rio para o
enterro de Cazuza. Imagina: eu NUNCA na minha vida tinha ido a um enterro. Eu o
adorava – uma vez, fiquei tão exibido, ele me dedicou uma música num show do
Aeroanta, era “Só as mães são felizes”, claro. A gente se agarrava loucamente e
rolava de rir toda vez que se encontrava. Eu precisava encerrar essa história.
Acabou sendo bonito, toda aquela gentalha em prantos, provavelmente porque o
identificava como a bichinha aidética do barraco da frente. Bonito e terrível,
no sentido brasileiro do termo. Ai, Brasil, Brasil, mostra a tua cara.
Meu livro gira todo em
torno do BRASIL. Um Brasil imundo, corrupto, violento, mas também mágico,
sensual. Sinto cada vez mais uma paixão desesperada – e rejeitada – por esta
terra. Aquele amor não retribuído que aos poucos vai virando veneno, desejo de
vingança, rancor, mágoa.
Mudei tanto, será a
idade? Serão os tempos? Perdi aquela necessidade juvenil de me apaixonar toda
semana. Ressabiei. Não fechei, acho, mas. Ah, sei lá.
Cá entre nós, dá para resistir ao mergulho nas letras de
Caio? Não. Eu caí, eu caio e vou continuar caindo, porque Caio é simplesmente fascinante,
perturbador, irresistível.
Comentários
Postar um comentário
Deixe suas impressões sobre este post aqui. Fique à vontade para dizer o que pensar. Todos os comentários serão lidos, respondidos e publicados, exceto quando estimularem preconceito ou fizerem pouco caso do sofrimento humano.