Por Sergio Viula
Ando extremamente impaciente com a falta de noção do que é o espaço público por parte de um considerável número de cariocas e fluminenses. Um exemplo, entre muitos, foi o que me aconteceu há alguns minutos.
Eu estava lendo o livro DYSPHORIA MUNDI, que está longe de ser mero passatempo ou entretenimento. Existe atenção e pensamento aguçado. Escolhi um lugar onde ninguém passaria atrás de mim ou sentaria colado comigo. Já fiz isso outras vezes e deu certo. Dessa vez, porém, um grupo de adolescentes uniformizados de uns 15 ou 16 anos "sentou" no banco perpendicular ao meu, ou seja, se pensarmos num L, eu estava numa linha e eles na outra do L. Espaço suficiente.
De repente, eu sinto um cutucão no meu braço. Um adolescente decidiu se DEITAR no banco, invadindo o meu espaço do outro lado.
Ele pediu desculpas. E eu disse que estava tudo bem, ainda que por dentro, eu já estivesse me sentindo contrariado. Mais um carioca que não tem noção do seu quadrado.
Não satisfeito, ele me perguntou o que eu estava fazendo. Eu tinha um livro diante de mim e óculos de leitura no rosto. Era óbvio. Em vez de dizer "estou lendo", decidi dizer "estou estudando". Intuitivamente, eu sabia que isso seria provocativo em alguma medida. Eles estavam de uniforme, mas estudam? Dito e feito.
Ele responde com uma pergunta: Estudando?
A pergunta revela uma certa perplexidade. Um homem velho com um livro e estudando em seu tempo livre? Isso é, provavelmente, tudo o que aquele jovem não quer fazer na vida. Não era uma opção para ele.
Querendo reorganizar interiormente o que eu havia desorganizado com a minha resposta, ele pergunta se eu vou à igreja. Aposto que ele pensou: Só pode ser um livro evangélico, algum estudo bíblico.
Eu respondi: Graças a Deus, não.
Lógico que eu estava sendo irônico. A ideia se Deus não corresponde a qualquer realidade comprovada, mas ele mordeu a isca.
Como assim? - perguntou ele.
Respondi com outra pergunta: Você vai?
Ele disse: Vou.
Eu disse: Que pena.
Ele retrucou: " Pena por quê, com tom de perplexidade de novo.
Eu já estava num misto de incômodo pela interrupção interminável e pena por imaginar o desperdício de tempo e oportunidades que esse rapaz vai vivenciar por se agarrar a crenças castradoras, redutoras e negacionistas em tantos sentidos que falta-me espaço para enumerar.
Então, eu disse o seguinte para encerrar: Você devia estar orando, então, em vez de vir interromper a minha leitura, não acha?
Um colega dele o chamou de volta ao grupo porque viu que eu não estava mesmo a fim de papo.
Fiquei pensando no desperdício de gerações inteiras, especialmente, nos últimos 30 anos com a renovação do fervor fundamentalista nesse país, especialmente nessa cidade onde até o narcotráfico diz que é de Jesus. Haverá fim para esse inferno algum dia? E onde estará esse rapaz daqui a 10 ou 20 anos sem a menor ideia do que significa "aprendizado pela vida toda" ou "estudar como meio de entender o mundo e tudo o que ele contém"? A crença em qualquer conjunto de lendas, mitos e parábolas como sendo a verdade final e absoluta sobre tudo é antídoto contra o conhecimento verdadeiro sobre tudo e qualquer coisa que esteja ao nosso alcance.
Repito o que disse a ele quando ele me respondeu que ia, sim, à igreja: Que pena!
E tudo isso porque ele simplesmente não soube ficar em seu quadrado numa praça de alimentação vazia.
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