Filhos biológicos de dois pais e de duas mães: O futuro da reprodução assistida

🧬 Dois pais, duas mães e o futuro da reprodução LGBTQIA+: um marco histórico na ciência




✍️ Texto por Sergio Viula
📍 Blog Fora do Armário — por uma sociedade plural, laica e livre



Em um feito inédito e revolucionário, cientistas na China conseguiram criar filhotes de camundongos a partir de dois machos, sem envolver um óvulo. Os pesquisadores reprogramaram células da pele de um dos machos, transformando-as em células-tronco pluripotentes, ou seja, células semelhantes a óvulos. Depois, fertilizaram essas mesmas células com espermatozoides do segundo macho. Embriões viáveis surgiram desse processo e foram implantados em camundongas surrogates ("barrigas emprestadas" ou "solidárias"), e alguns nasceram saudáveis e chegaram à idade adulta.

Este é um marco sem precedentes na ciência reprodutiva — a primeira vez em que mamíferos nascem e sobrevivem a partir de dois pais biológicos. Um passo gigantesco que transforma uma antiga ideia em realidade: a possibilidade de que casais homoafetivos do sexo masculino possam, no futuro, gerar filhos biológicos sem a necessidade de uma doadora de óvulos.

A pesquisa foi liderada por Wei Li, da Academia Chinesa de Ciências, e publicada na revista científica Cell Stem Cell em janeiro de 2025. A notícia foi amplamente repercutida por veículos internacionais como a Reuters, que destacou o avanço em sua matéria:

📎 Reuters – "Scientists use genetic engineering to create mice with two male parents"
https://www.reuters.com/science/scientists-use-genetic-engineering-create-mice-with-two-male-parents-2025-01-28/
 
O que torna esse estudo tão importante?

Superação do imprinting genômico: Normalmente, certos genes precisam vir especificamente do pai ou da mãe para que o embrião se desenvolva de forma saudável. A equipe chinesa usou edição genética (CRISPR) para modificar cerca de 20 regiões genéticas com imprinting paterno, algo nunca feito com tanto sucesso antes.

Centríolos fornecidos artificialmente

A ausência de óvulo significa que os cientistas também precisaram contornar a falta de centríolos, estruturas essenciais para a divisão celular precoce — normalmente fornecidas pelo espermatozoide.

Sobrevivência até a vida adulta

A grande diferença deste estudo em relação a pesquisas anteriores é que alguns camundongos nascidos com dois pais conseguiram sobreviver até a fase adulta.
 
E quanto a duas mães?

A ciência já ensaiou também a possibilidade de criar vida a partir de dois óvulos, ou seja, com DNA exclusivamente feminino. Em 2004, o Dr. Tomohiro Kono e sua equipe da Tokyo University of Agriculture (TUA) no Japão conseguiram produzir um único filhote de camundongo a partir de duas mães biológicas, manipulando o imprinting de forma extremamente precisa. Eles o chamaram de "Kaguya", em referência à princesa da lua da mitologia japonesa. A experiência foi publicada na revista Nature: A mouse with two mothers: https://www.nature.com/articles/nmeth1007-772a  / Mouse created without father:  https://www.nature.com/articles/news040419-8

 Contudo:
  • Óvulos não têm centríolos, o que complica o início da divisão celular.
  • Problemas de desenvolvimento foram frequentes nos embriões.
  • A taxa de sucesso foi baixíssima, com apenas um nascimento viável entre centenas de tentativas.

A criação de vida a partir de dois óvulos é, portanto, ainda mais desafiadora do que com dois espermatozoides, embora não impossível.
 
🌈 O que tudo isso significa para a comunidade LGBTQIA+?

Esse novo capítulo da ciência não apenas expande os limites da biotecnologia, mas também transforma profundamente o debate sobre direitos reprodutivos e igualdade parental.

A possibilidade de que casais do mesmo sexo possam, um dia, ter filhos biológicos — sem depender de gametas do sexo oposto — representa um passo simbólico e prático rumo à plena inclusão nas esferas da família e da reprodução.

Claro, há ainda questões éticas importantes a serem discutidas:
  • O bem-estar das futuras crianças nascidas dessas técnicas.
  • A regulação de manipulação genética em humanos.
  • O acesso igualitário a essas tecnologias — para que não fiquem restritas à elite.

Tudo isso pode levar algum tempo ainda até que possa ser considerado absolutamente seguro para todos os envolvidos, mas uma coisa é certa: aquele papo de que dois machos ou duas fêmeas não dão cria está com os dias contados.

 
🧷 Fontes confiáveis


Reuters (28 jan. 2025)
“Scientists use genetic engineering to create mice with two male parents”

https://www.reuters.com/science/scientists-use-genetic-engineering-create-mice-with-two-male-parents-2025-01-28/


Live Science (30 jan. 2025)
“Chinese scientists created mice with 2 dads — and they survived to adulthood”

https://www.livescience.com/health/fertility-pregnancy-birth/chinese-scientists-created-mice-with-2-dads-and-they-survived-to-adulthood


Nature (2023)
“Mouse embryos created from two male cells — and live to adulthood”
https://www.nature.com/articles/d41586-023-00717-7


Cell Stem Cell (journal científico onde o estudo foi publicado)
Link para o periódico – https://www.cell.com/cell-stem-cell/fulltext/S1934-5909(25)00005-0


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