LGBT+ na Rússia: Da liberdade à repressão total

LGBT+ na Rússia: Da liberdade à repressão total


Na foto, lê-se "царица Путин", que em português significa "Czarina Putin".


Por Sergio Viula


A história recente da comunidade LGBT+ na Rússia é marcada por avanços tímidos seguidos por uma onda brutal de repressão.


Anos 1990: breve liberdade

Em 1993, a homossexualidade foi descriminalizada, e o país viveu um curto período de abertura. Surgiram os primeiros clubes, jornais e organizações LGBT+, além de ativistas que começaram a dar voz a uma comunidade historicamente silenciada.


Era Putin: repressão total

Com Vladimir Putin no poder, o cenário mudou radicalmente. Em 2013, foi aprovada a infame lei da “anti-propaganda gay”, que criminaliza qualquer representação positiva de pessoas LGBT+ na mídia, nas escolas e em espaços públicos.

A situação piorou ainda mais em 2022, quando ficou proibido até mesmo falar positivamente sobre a comunidade LGBT+ em qualquer contexto.


O “Homocausto” na Chechênia: um capítulo sombrio

Um dos episódios mais chocantes aconteceu na Chechênia, parte da Federação Russa. A partir de 2017, começaram a surgir denúncias de uma campanha de perseguição violenta contra pessoas LGBT+, apelidada por ativistas de “homocausto” pela gravidade e sistematicidade dos crimes.


Ramzan Kadyrov, líder checheno, apoiado por Putin

Prisões e tortura: Relatos indicam que mais de 100 pessoas foram detidas arbitrariamente em instalações secretas. Muitos foram espancados, torturados e forçados a delatar outros LGBT+.

Mortes e desaparecimentos: Pelo menos três mortes foram confirmadas, mas o número real pode ser maior, já que familiares e sobreviventes vivem sob medo extremo.

Execuções de honra: Alguns detidos foram entregues às famílias, onde sofriam risco de serem mortos para “lavar a honra” da família, prática estimulada pelas autoridades locais.

Declarações de ódio oficial: Ramzan Kadyrov, líder checheno, chegou a afirmar que as pessoas LGBT deveriam ser removidas “para purificar nosso sangue”, negando inclusive a existência de gays na região.

Alvo expandido: Embora a primeira onda de perseguição tenha atingido principalmente homens gays, mulheres lésbicas e pessoas trans também passaram a ser alvo nas etapas seguintes.

Segundo organizações como a Russian LGBT Network e a ECCHR, mais de 150 pessoas foram perseguidas, torturadas ou mortas entre 2017 e 2019. Muitos precisaram fugir da Rússia; pelo menos 116 pessoas foram resgatadas e realocadas, e cerca de 100 conseguiram sair do país com apoio de ONGs internacionais.

Crimes como esses já foram classificados por organizações de direitos humanos como “crimes contra a humanidade”, e a ECCHR chegou a registrar uma queixa criminal na Alemanha contra autoridades chechenas, pedindo investigações internacionais.


Sochi 2014: censura e perseguição durante as Olimpíadas


Polícia detém manifestante a favor dos direitos LGBTQIA+, em Moscou (Dmitry Sebebryakov/AFP) 


As Olimpíadas de Inverno de Sochi, em 2014, ficaram marcadas por um clima de censura e repressão contra pessoas LGBT+ e seus aliados. Atletas estrangeiros foram advertidos a não usarem bandeiras do arco-íris ou expressarem apoio público aos direitos LGBT+, sob risco de prisão. A lei de “anti-propaganda gay”, aprovada meses antes, já era usada para intimidar manifestantes e até jornalistas que tentavam abordar o tema. Organizações internacionais denunciaram que o governo russo bloqueou campanhas pró-LGBT, prendeu ativistas locais durante os jogos e utilizou o evento para projetar uma imagem de modernidade enquanto reprimia qualquer discurso pró-diversidade. A mídia estatal praticamente silenciou sobre violações de direitos humanos contra a comunidade LGBT+, tentando evitar que o tema ganhasse visibilidade internacional.

Pessoas LGBT notórias na Rússia


Nikolai Alekseev, organizador das primeiras tentativas de Paradas do Orgulho em Moscou


Masha Gessen, jornalista e ativista

Apesar da repressão histórica, a Rússia teve e continua tendo figuras LGBT notórias que deixaram marcas na cultura, na política e na luta por direitos. No passado, destaca-se Pyotr Ilyich Tchaikovsky (1840–1893), o lendário compositor que criou obras como O Lago dos Cisnes e viveu sua homossexualidade em segredo devido à perseguição da época. Já no século XX, Rudolf Nureyev, um dos maiores bailarinos do mundo, desertou para o Ocidente em 1961 e viveu abertamente como gay em Paris até sua morte em 1993. Mais recentemente, nomes como Masha Gessen, jornalista e ativista, e Nikolai Alekseev, organizador das primeiras tentativas de Paradas do Orgulho em Moscou, tornaram-se vozes internacionais contra a homofobia russa. Mesmo sob risco, artistas, escritores e influenciadores continuam desafiando a censura e mantendo viva a resistência cultural e política.


Organizações e redes de resistência

Mesmo com leis cada vez mais repressivas, a resistência LGBT+ russa não foi silenciada. Algumas organizações e redes, dentro e fora da Rússia, têm desempenhado papel fundamental:

Russian LGBT Network: fundada em 2006, oferece suporte legal, psicológico e ajuda para pessoas LGBT+ que precisam fugir do país. Foi essencial no resgate de vítimas da perseguição na Chechênia.

Coming Out: organização com sede em São Petersburgo, luta por direitos civis, campanhas de conscientização e apoio a vítimas de violência homofóbica.

Sphere Foundation: trabalha na documentação de violações de direitos humanos contra a comunidade LGBT+ e oferece suporte jurídico a vítimas.

OutRight International e Human Rights Watch: organizações internacionais que denunciam violações e pressionam governos e entidades globais a agirem contra a repressão russa.

ILGA-Europe: rede europeia que oferece apoio a ativistas russos e ajuda na documentação de abusos para levar o tema a tribunais internacionais e à mídia global.

Essas redes, muitas vezes operando de forma clandestina, têm garantido rotas de fuga, segurança e apoio legal para pessoas perseguidas, além de manter viva a denúncia internacional contra os crimes do regime de Putin e aliados regionais.


Sem direitos, sem voz

Na Rússia de hoje:

  • Não há casamento igualitário.
  • Não há adoção por casais LGBT.
  • Não há proteção contra discriminação.
  • Não há reconhecimento de identidade de gênero (banido em 2023)

Putin tornou-se um dos piores violadores de direitos humanos da atualidade, e a comunidade LGBT+ russa vive sob constante medo e censura.


A conivência da Igreja Ortodoxa com Putin


Patriarca Kirill (ou Cirilo) e Vladimir Putin

A Igreja Ortodoxa Russa tem sido uma aliada fundamental do regime de Vladimir Putin na legitimação da repressão contra pessoas LGBT+. Sob a liderança do patriarca Kirill (ou Cirilo), a Igreja defende publicamente que os direitos LGBT seriam uma ameaça aos “valores tradicionais” russos e à “família cristã”. Esse discurso moralista tem servido para justificar leis homofóbicas, a censura e a perseguição, apresentando Putin como protetor da fé e da moral russa. Essa aliança entre Estado e Igreja reforça o clima de intolerância e fecha ainda mais os espaços para a comunidade LGBT+ no país.


Mas a resistência persiste

Apesar da repressão, ativistas exilados, organizações internacionais e pessoas corajosas dentro da Rússia continuam lutando por visibilidade, direitos e liberdade. A luta segue — dentro e fora das fronteiras russas.

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