
Quando se trata de representar um personagem gay num filme, cada vez mais parece que a Academy Awards assume certas regras que parecem ser senso comum entre eles. Edward Copeland elaborou uma lista conhecida como "Oscar Rules for GLBT Characters" (Regras do Oscar para Personagens GLBT).
É uma lista realmente longa, apesar de haver algumas indicações para papéis lésbicos faltando (Judi Dench em Notes on a Scandal, Vanessa Redgrave em The Bostonians — intitulado em Portugal As Mulheres de Boston —, Estelle Parsons em Rachel, Rachel, Grayson Hall em A Noite do Iguana).
Depois, existem sempre, é claro, aqueles personagens "lidos" como gays, mas que nunca são expressamente chamados como tais. Parece ser o caso de Tom Courtenay em O Fiel Camareiro, Clifton Webb em Laura e Sal Mineo em Juventude Transviada.
No maravilhoso livro Live Fast, Die Young: The Wild Ride of Making Rebel Without a Cause, lê-se que o diretor Nicholas Ray instruiu Mineo a representar Plato como se estivesse apaixonado pelo Jim Stark de James Dean. Os resultados são muito óbvios, para não mencionar os relacionamentos especulados entre, digamos, Jon Voight (de Perdidos na Noite) e Dustin Hoffman, e até mesmo Humphrey Bogart de Casablanca e Claude Rains (com todo aquele papo de "começo de uma linda amizade").
Além do mais, onde se encaixam aquelas performances de duplo gênero como Jack Lemmon em Quanto Mais Quente Melhor, Julie Andrews em Victor ou Victoria e Dustin Hoffman em Tootsie, sem contar as atrizes cross-dressed desempenhando papéis masculinos — a ganhadora Linda Hunt por O Ano em que Vivemos em Perigo e a indicada deste ano Cate Blanchett em Não Estou Lá?
E não nos esqueçamos das figuras históricas cuja sexualidade sempre foi matéria para disputa, tais como T. E. Lawrence (representado por Peter O'Toole em Lawrence das Arábias), John Nash (Russell Crowe em Uma Mente Brilhante) e até Abraham Lincoln (Raymond Massey em O Libertador).
Fica claro que até no cinema, atores (e personagens que eles representam) são reticentes quando se trata de sair do armário. Por outro lado, é interessante ver a diversidade demonstrada nas performances e personagens que foram indicados.
Fonte: https://moviedearest.blogspot.com/2008/02/when-oscar-goes-gay.html
Traduzido e levemente adaptado do original (fontes citadas acima) por Sergio Viula para o Blog Fora do Armário

Por Edward Copeland
Aviso: as palavras abaixo contêm detalhes que podem estragar muitos filmes, então não leia para depois lamentar.
Nos últimos 20 anos, a Academy of Motion Picture Arts and Sciences (promotora do Oscar) tem sido bastante generosa em nomear (e às vezes premiar) atores e atrizes que representaram papéis gays, lésbicos ou transgêneros na telona. Todavia, isso tem um preço. Não para a carreira deles, mas no momento de decidir se o papel será ou não indicado. Parece haver somente dois tipos de papéis gays considerados dignos do reconhecimento de um Oscar: aqueles que são comicamente retratados ou aqueles nos quais o personagem gay em questão acaba morto ou sozinho. Observem apenas alguns dos mais elogiados papéis que, na hora do Oscar, foram ignorados.
Todos pensavam que Dennis Quaid era garantia de indicação com seu sofrido casamento gay nos anos de 1950 em Longe do Paraíso, mas ele não conseguiu. No final do filme, seu personagem aceitou sua sexualidade e encontrou um namorado: nenhuma indicação pra ele.
Rupert Everett foi o muito divertido melhor amigo gay de Julia Roberts em O Casamento do Meu Melhor Amigo, mas seu personagem estava fora do armário, orgulhoso e presumivelmente num relacionamento. Pode tirá-lo de sua lista de nomeações ao Oscar.
Agora, aqui vão alguns detalhes que podem estragar os filmes se você ainda não os viu. Apresento todos os atores que chegaram a ser apenas nomeados para o Oscar ou que chegaram a ganhar uma das estatuetas por desempenharem um papel gay. Estou apenas contando os personagens que são explicitamente gays, não os subentendidos como Clifton Webb em Laura.
Por uma questão de simplificação, estou seguindo uma linha cronológica.
Peter Finch em "Domingo Maldito" (1971)

O primeiro personagem abertamente gay que eu consigo encontrar com uma indicação. Um dos padrões: Ele fica sozinho no final.
Al Pacino e Chris Sarandon em "Um Dia de Cão" (1975)

O personagem de Sarandon, Leon, já está institucionalizado (e não tem nada a ver com Sony) quando o encontramos. Sonny (Pacino) acaba sozinho e preso.
James Coco em "O Doce Sabor de um Sorriso" (1981)

O primeiro exemplo (depois de "Um Dia de Cão") de nomeação ao Oscar de um personagem abertamente gay, graças à atuação cômica de Coco nesta leve saída do armário de Neil Simon.
Lithgow em "O Mundo Segundo Garp"

Robert Preston em "Vitor ou Vitória" (ambos 1982). A maravilhosa performance de Preston se encaixa na ampla categoria da comédia, apesar dele poder ser considerado uma exceção, uma vez que teve permissão para para ter um namorado ao final do filme.
Lithgow, como o jogador da NFL que tornou-se transexual em "Garp" poderia ser uma exceção. Ele continua vivo no final, mas seu papel é desempenhado mais para risadas, e o filme nunca lhe confere outro que seja
Mery Streep em "Silkwood - Retrato de uma Coragem" (1983)

William Hurt em "O Beijo da Mulher Aranha" (1985)

Tã, tã, tã, tã... Temos um vencedor. Ao mesmo tempo em que o filme era certamente um drama, Hurt faz o chato exagerado e acaba morto no final, mesmo depois de seu amigo de cela heterossexual (Raul Julia) conceder-lhe uma trepada de misericórdia.
Bruce Davison em "Meu Querido Companheiro" (1990)

Foi cinco anos antes de outro personagem gay merecer uma indicação. O personagem de Davison conseguiu um duplo disparate. Primeiro, ele tem que assistir seu amor morrer de AIDS, deixando-o sozinho, e depois ele também morre (mas nem mesmo na tela).
Tommy Lee Jones em "JFK" (1991)

Aqui está outro exemplo de uma performance num drama. Enquanto o personagem de Jones continua vivo no final, ele é retratado como vilão (e com algumas cenas de orgia gay com as quais somente Oliver Stone poderia ter sonhado). Em contraste, Joe Pesci, representando o menos óbvio personagem gay que acaba morto, não mereceu a atenção da Academia.
Jaye Davidson em "The Crying Game" (1992)
Primeiro, o amante de Dil acaba morto durante um sequestro do IRA e então se apaixona por seu captor, Fergus (Stephen Rea), que é enviado para a prisão enquanto Dil espera pacientemente, apesar de Fergus não demonstrar qualquer intenção de abandonar sua heterossexualidade.
Tom Hanks em "Filadélfia" (1993)

Gay e morto, ele leva o prêmio pra casa de novo, apesar da representação de Hanks não ter sido a principal, já que Denzel Washington obteve o melhor papel no filme.
Greg Kinnear em "Melhor é Impossível" (1997)

Não acho que o personagem de Kinnear tenha tido maior importância ao final do filme, mas lembro que ele levou uma surra.
Ian McKellen em "Gods and Monsters" (1998)

Aqui está um ator indicado por retratar a vida de um diretor abertamente gay. Que desgraça, James Whale morre no final (como morreu na vida real), mas o mal-entendido real foi que McKellen (juntamente com Nick Nolte e Edward Norton) perderam para Roberto Benigni ("A Vida é Bela").
Kathy Bates em "Segredos do Poder" (1998)

Bates era uma articuladora política pela campanha de um candidato tipo Bill Clinton. Pena que sua personagem lésbica, que tinha princípios, tenha acabado disparando uma arma contra sua própria cabeça.
Swank em "Meninos Não Choram" (1999)

Swank ganhou o primeiro de seus dois Oscars como atriz principal representando o Brandon Teena, personagem transgêro. Foi também a primeira de duas vezes em que Swank chegou ao círculo dos vencedores sendo espancada até a morte.
Javier Bardem em "Antes do Anoitecer" (2000)
Baseado numa pessoa real, o personagem de Bardem tem que lidar com problemas em Cuba antes de entrar em N.Y. para uma das mais longas cenas de morte (de AIDS) que eu já vi.
Ed Harris em "As Horas" (2002)
O mesmo ano em que a Academia esnobou Dennis Quaid por seu fino trabalho em "Longe do Paraíso", eles nomearam essa performance terrível feita pelo geralmente bom Harrus, como um artista morrendo de AIDS.
Nicole Kidman em "As Horas" (2002)
Se Virginia Woolf não tivesse entrado por si mesma no rio, essa nomeação e vitória provavelmente nunca teriam acontecido.
Julianne Moore em "As Horas" (2002)
De certo modo, seu personagem aqui é semelhante ao que Quaid representa em outro filme de Moore em 2002. Ela é casada, mas incapaz de aceitar sua sexualidade. Ao final do filme, ela parece estar sozinha. Julianne Moore passa, enquanto Quaid é barrado. Isso pode explicar também uma das raras ocasiões em que Meryl Streep não conseguiu uma nomeação ao Oscar. Seu personagem lésbico em "As Horas" tinha uma amante no final e não morreu.
Charlize Theron em "Desejo Assassino" (2003)
Outra vitória baseada numa história real. Daí em diante, a "serial killer" lésbica é elevada ao círculo dos vencedores
Phillip Seymour Hoffman em "Capote" (2005)

Esta pode ser uma verdadeira exceção à regra. Baseado na história real do personagem, a história não chegou à morte de Truman Capote e ele teve um companheiro de longa duração. O máximo que o filme faz é negar o tesão de Capote pelo assassino executado.
Heath Ledger e Jake Gyllenhaal em "O Segredo de Brokeback Mountain" (2005)

Duas indicações de representações de persongens gays. Então, a Academia teve que escolher um dos dois: O personagem de Gyllenhaal acaba morto, e Ledger acaba sozinho.
Felicity Huffman em "Transamerica" (2005)

Não tenho certeza sobre como encaixar essa performance de uma transexual em processo de mudança. Ela não morre no final - Aleluia! Vocês sabem como Hollywood geralmente age nesses casos.
Fonte: https://eddieonfilm.blogspot.com/2006/11/oscars-rules-for-gay-characters.html
Traduzido e levemente adaptado do original (fontes citadas acima) por Sergio Viula para o Blog Fora do Armário
Fala Sérgio,
ResponderExcluirOutro dia li um artigo do João Moreira Sales, na Revista Piauí, que faz um paralelo entre os atores negros no início do cinema e os gays atualmente.
Antigamente personagens negros eram interpretado por atores brancos pintados de preto. Hoje personagens gays são interpretados por atores heterossexuais, como nos recentes Brokeback Montain e Milk.
O artigo é ótimo, você pode ler nesse link: http://www.revistapiaui.com.br/edicao_29/artigo_893/Assim_e_se_nao_lhes_parece.aspx
Abraços, Norton.
Puxa, Norton! Adorei seu comentário e a conexão que vc fez entre as duas coisas, que não são outra coisa senão formas de opressão das quais finalmente começamos a nos emancipar.
ResponderExcluirVou ler o artigo, sim.
Abração, amigo!
Sergio