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Ano que vem faço 20 anos fora do armário! 🌈
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Por Sergio Viula
Pasmem, mas ainda existe muita
gente que fica no armário por medo da opinião de fulano ou de sicrano.
Ao mesmo tempo que as pessoas
falam sobre sua sexualidade cada vez mais cedo, é impressionante ver como
existem outras que ainda hesitam, mesmo sendo maduras e financeiramente
autossuficientes. Algumas moram sozinhas ou têm condições de viver em seu
próprio canto se preciso for, mas mesmo assim ainda relutam em tomar as rédeas
de sua própria vida. A troco de quê? – pergunto eu.
Ao longo desses 19 anos fora do
armário (completos em 2022), já pude ouvir muitos relatos de pessoas na condição
de “armarizadas”. Já encorajei muitas dessas pessoas, especialmente homens, a
tomarem as devidas providências para que possam finalmente dizer “I am what I
am, and what I am needs no excuses” (Sou o que sou, e o que eu sou não precisa
de desculpas).
Curiosamente, mulheres parecem
não ficar tão à vontade para conversar com um homem sobre seus problemas nessa
área, mas um número considerável de homens já me procurou por causa de alguma
entrevista publicada comigo ou alguma postagem feita por mim a respeito da
minha trajetória para fora do armário. Muitos deles são pessoas com algum
background religioso, principalmente evangélico. Ouvi-los falar sobre seus
dramas existenciais por causa da crença religiosa é algo que me comove e
enfurece ao mesmo tempo, mas vê-los desprenderem-se de tudo isso provoca em mim
uma sensação deliciosa de triunfo e de alívio!
Você pode ler mais sobre minha
jornada rumo à emancipação sexual aqui: EM BUSCA DE MIM MESMO.
Para a minha alegria e para a
felicidade desses homens, muitos deles fizeram seu próprio trajeto para fora do
armário e voltaram para me contar. Alguns se tornaram amigos e me
proporcionaram a oportunidade de ver seu crescimento e amadurecimento emocional
e afetivo, inclusive, assumindo relacionamentos estáveis publicamente.
Viver autenticamente o seu amor
tem um sabor totalmente diferente de viver entre as sombras das masmorras da
homofobia internalizada através da instilação continua de preconceito por parte
da família, da igreja e de vários outros dispositivos de controle social,
inclusive a escola.
Faz 19 anos que eu me livrei desse lixo tóxico produzido por homofóbicos de todos os tipos, sendo o pior deles aquele que utiliza pretextos de cunho religioso. Ano que vem, farei duas décadas fora do armário - uma data que há de ser devidamente comemorada. Alegro-me em dizer que já ultrapassei o tempo que passei dentro do sistema religioso fundamentalista. Foram 18 anos de evangelicalismo atropelados por 19 anos de liberdade cognitivo-afetiva, emocional, sexual e financeira. Não escondo o orgulho que sinto por ter feito esse movimento não só para fora do armário, mas também para fora de toda e qualquer crendice, sem a ajuda de um único ser humano.
Pelo contrário, as pessoas ligadas
à igreja e à família me desestimulavam de seguir adiante. As pessoas que faziam
parte da comunidade LGBT ou do movimento que leva o seu nome achavam que isso
era bom demais para ser verdade. A única pessoa que se aproximou de mim para ouvir
o que eu tinha a dizer (depois da minha entrevista à revista Época no final de
2004) foi Toni Reis. Ele me permitiu expor o que eu pensava e pretendia dali em
diante para ele sua equipe de trabalho. Foi um encontro agradável, mas isso foi
tudo. Ele também comprou dois exemplares do meu livro. Dali em diante, eu
continuava travando minhas próprias batalhas para me estabilizar
financeiramente e emocionalmente, mesmo cercado por um turbilhão de gente do
contra.
Da minha família, as únicas
exceções em termos de acolhimento na prática foram a minha avó Maria Jerônima
(falecida anos depois da minha saída do armário) e minha tia Maria Eliza (filha
dela). Essas duas pessoas queridas foram minhas parceiras e me apoiaram na
prática, não apenas com palavras ao vento. Era amor de verdade em ação.
Quem hoje vê minha família unida comigo e com meu amor Andre não imagina o que eu passei até que eles finalmente entendessem o que tudo isso significava. Eles não conseguiam pensar para além do que foram doutrinados. Durante quatro anos, eu não troquei uma palavra com eles e nem os visitei ou recebi a visita deles. Somente depois que eles reconheceram que estavam errados em seu modo preconceituoso de agir comigo, e me disseram isso face a face, e com todas as letras, é que eu voltei a me relacionar com eles. Desde então, as coisas só melhoraram.
Meus pais cresceram muito, mas
muito mesmo. Isso não teria acontecido se eu ficasse, como muitos fazem,
mendigando amor e atenção, apesar de ser tratado com pessoa de terceira categoria.
E detalhe: eu pegava meus filhos toda semana para passar o sábado comigo, e nem
assim baixei a cabeça para a homofobia deles ou de quem quer que fosse. Eu jamais
deitaria para ser pisado por babacas de qualquer espécie, principalmente se
fossem do meu sangue.
Hoje, meus filhos são adultos. Até
neta, eu já tenho (Veja o Diário de um avô colorido). E quando lembro de alguns daqueles idiotas evangélicos
dizendo "Como é que vai ficar a cabeça dos filhos dele?", eu só
penso: A deles vai muito bem, obrigado, já a de vocês continua a mesma bosta
que sempre foi.
E daí? A vida seguiu em frente!
Apesar de todos os obstáculos que eu tive que enfrentar, eu fiz exatamente o
que eu queria, e o fiz com ética e honra, ensinando meus filhos, por palavras e
atos, a serem honestos, corajosos e autênticos. O resultado é esse aí que vocês
veem se me acompanham por aqui ou pelas redes sociais.
Será que a gente pode fazer tudo
certo e tudo dar errado? Claro que sim. É besteira pensar que controlamos o
fluxo do devir. Se tivesse dado tudo errado, apesar de eu ter feito a coisa
certa, eu ainda poderia me alegrar por ter feito justamente isso: A coisa certa.
Mas, olhando ao redor, a pergunta
que fica é a seguinte: Posso dizer que estou colhendo bons frutos da minha
semeadura? Sem dúvida alguma que sim. E quero viver para desfrutar cada um
desses momentos especiais. Por isso, faço o possível para me manter saudável e
viver tudo o que puder viver hoje e daqui em diante – tudo com tranquilidade, nada
de correria como se mundo acabasse amanhã para mim. Se acabar, terei feito tudo
o que eu queria hoje, inclusive NADA. Como é bom fazer simplesmente NADA! Claro
que não é possível fazer nada o tempo todo, e nem seria saudável, mas quando a
gente pode se dar a esse luxo, para que inventar problema?
Quando alguém me pergunta se eu sinto saudade dos meus tempos na igreja, eu respondo com uma pergunta: "Que peixe, em bom estado mental, sentiria saudade do anzol, ainda que o tenha mordido por engano, seduzido por uma isca que lhe parecesse absolutamente suculenta?"
A ficção de um deus que cuida de
tudo e que está muito interessado em mim não dá nem para a saída. Ela pode
parecer uma isca imperdível, mas não passa de um pretexto para fisgar a mente dos
que nunca conseguem se tornar donos de si mesmos. Essas pessoas estão sempre
procurando alguém a quem possam se submeter. Tolice maquiada de piedade.
Agora, imaginem as ficções sobre
uma suposta vida eterna ou castigo eterno... Imaginem as primitivas e precárias
ideias de pecado e salvação... Nada disso passaria pelo mais superficial exame
racional. Se as pessoas usassem sua capacidade crítico-analítica para averiguar
essas coisas, elas se sentiriam ridículas por terem crido nelas um dia.
Além disso, esse sistema de
crenças, assim como muitos outros, acaba funcionando como o peso de um cadáver
a ser carregado pela vida a fora por gente que poderia investir sua energia em
coisas que realmente fizessem valer a pena viver – e digo viver no sentido mais
pleno possível da palavra LIBERDADE.
A desculpa de que a religião
exerce algum papel para além de controle, exploração e utilização do capital
humano que se submete a ela também não passa pela peneira da experiência. Não
há coisa alguma que a religião ofereça que não possa ser obtida por outros
meios. Ela também não pode oferecer nada de real e útil que já não tenhamos. Repito:
Não há coisa alguma que a religião possa fazer por nós que não possamos fazer
sozinhos como espécie humana. Religião, qualquer que seja ela, é uma verdadeira
inutilidade supervalorizada pelo mero hábito da repetição sem análise crítica.
Ela gosta de posar como aquilo que parece estar acima de qualquer
questionamento, mas seus pretextos não dão nem para a saída. As pessoas embarcam
naquela ideia de que deve estar certo, porque todo mundo na minha bolha social
diz e faz a mesma coisa, mas isso só revela a tendência para o comportamento de
rebanho por parte de muitos. E se a gente pensa em rebanho, acaba pensando
em pastor, pelo menos no contexto religioso.
Todavia, não existe coisa mais
estúpida do que a ideia de bom pastor. Toda ovelha é, para qualquer
pastor, seja ele zeloso, descuidado ou cruel, a mesma coisa: Fonte de ganho. Tudo
o que o pastor quer enquanto a alimenta é tosquiar sua lã ou desossar sua
deliciosa carne. No primeiro caso, ela vive para servir à indústria da lã. O
pastor é seu principal elo na cadeia de produção. No segundo caso, ela paga com
a própria vida pelo almoço daqueles que a alimentaram tão cuidadosamente apenas
para conseguirem alguns quilos de carne a mais na balança do matadouro.
Não existe essa tolice de bom pastor. Existem pessoas ingênuas (burras seria mais apropriado) que se submetem à falsa sensação de que estão sendo cuidadas, quando, na verdade, estão sendo controladas ou exploradas de uma maneira ou de outra. Manter o lobo longe do aprisco não é um ato de bondade do pastor, mas a única forma de garantir que a lã e a carne da ovelha tola e gorducha serão dele e não de outro. A competição das igrejas por membros é uma bela demonstração disso.
Se você se orgulha de ser ovelha
de fulano ou de sicrano ou mesmo de Jesus, deixe esse fictício aprisco e tudo o
que tiver a ver com ele para trás. O aprisco é para a ovelha o mesmo que o
corredor da morte é para o condenado à cadeira elétrica - só uma forma de
mantê-la sob controle até o momento de sua execução. A diferença é que o
condenado que aguarda no corredor da morte não trabalha para seus executores,
já a ovelha no suposto aprisco de Cristo entrega seu precioso tempo, energia e
recursos financeiros a vida inteira até finalmente encontrar o destino de todos
os mortais – o finamento. Enquanto isso, assim como o condenado que aguarda no
corredor da morte, o humano que se diz ovelha vê apenas uma fração do que
acontece do lado de fora do seu cercadinho sem ter vivido uma série de
experiências deliciosas, positivas e construtivas longe do domínio desses
manipuladores de mentes e castradores de existências.
Seja honesto consigo mesmo(a):
Para que se submeter à liderança supostamente espiritual ou moral de quem quer
que seja?
Cresça!
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Comentários
Vivemos num mundo cruel, muito patriarcal. É preciso uma dose de coragem, pois, muitas vezes, ver-se sozinho é doloroso. Entretanto, sua reflexão também traz a seguinte pergunta. Se alguém não me aceita como realmente sou, esta pessoa, de fato, me acompanha? Nada melhor, apesar de tudo, assumir quem se é.
ResponderExcluirVerdade, Eloah. A solidão é uma marca da própria existência, mas dificilmente sabemos lidar com ela. Já a rejeição pode ser dolorosa, especialmente na infância e adolescência. Muitas pessoas arrastam traumas ao longo de toda a vida por causa disso, mas a verdade é que se a gente deixar para trás o que é peso morto, a vida fica mais leve e novos encontros podem acontecer e relações saudáveis podem ser construídas. ❤
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