Recentemente, o Portal Metrópoles revelou uma história estarrecedora que expõe, mais uma vez, como discursos religiosos podem ser usados para encobrir práticas de abuso, tortura e cárcere. Uma clínica clandestina de reabilitação, localizada em Anápolis (GO), foi palco de horrores dignos de denúncia internacional: pessoas nuas, dopadas, humilhadas e torturadas sob o pretexto de tratamento espiritual e recuperação.
Fé distorcida e sofrimento real
Sob o comando do casal de pastores Junior e Suelen Klaus, a clínica mantinha cerca de 50 pacientes em regime de cárcere privado, incluindo adolescentes, idosos e pessoas com deficiência intelectual. Muitos foram internados à força por suas famílias, e em troca disso, os pastores lucravam com mensalidades que chegavam a R$ 2.000 por paciente.
Mas o que esses internos enfrentaram estava longe de qualquer noção de cuidado, amor ou religiosidade.
Castigos cruéis e tratamentos desumanos
As denúncias e investigações revelaram um verdadeiro regime de terror:
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Pessoas eram mantidas nuas como forma de punição, obrigadas a permanecer em posições constrangedoras ou expostas diante de outros internos.
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Castigos físicos incluíam banhos frios forçados e amarrações prolongadas.
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Drogas controladas eram administradas sem prescrição médica, em doses exageradas, para manter os internos dopados e “quietos”.
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Idosos acamados e pessoas com deficiência eram mantidos em fraldas sujas por dias, sem cuidados básicos de higiene.
Silêncio imposto pelo medo
Quem ousava reclamar era calado com agressões físicas, isolamento e ameaças. Os relatos apontam ainda para violência verbal constante, com xingamentos como “viado”, “desgraçado” e outras expressões degradantes. As visitas familiares só eram permitidas após 30 dias — e sempre sob rígido controle para evitar qualquer denúncia externa.
Tudo isso sustentado por um discurso supostamente cristão, que justificava o sofrimento como uma forma de “purificação”.
Justiça começa a agir
Após denúncias e investigações, a Polícia Civil de Goiás resgatou os internos e desmantelou a clínica. A pastora Suelen foi presa, enquanto o pastor Junior está foragido.
Em maio de 2024, o casal foi condenado a 10 anos e 3 meses de prisão pelos crimes de tortura e cárcere privado. Outros cinco envolvidos também foram condenados, com penas que variam de 2 a 8 anos.
O que tudo isso revela?
Este caso é mais um retrato cruel de como o fundamentalismo religioso, aliado à negligência do Estado e ao preconceito estrutural, pode servir como escudo para práticas abomináveis. Não é coincidência que muitos dos internos fossem pessoas marginalizadas: dependentes químicos, pessoas com deficiência, idosos — todos tidos como “fardos” por suas famílias, que buscaram uma “solução” rápida e espiritualizada.
A lógica é perversa: sob o manto da fé, o que se pratica é o extermínio simbólico (e às vezes físico) daqueles que não se encaixam em padrões “aceitáveis”. O mesmo tipo de lógica que historicamente perseguiu pessoas LGBTQIA+, acusadas de serem “doentes” ou “possessas”.
E o Estado?
Falta fiscalização, faltam políticas públicas e sobra conivência. Muitos centros de “cura” espiritual continuam atuando impunemente pelo Brasil, inclusive alguns que oferecem “tratamentos” para “reverter” a orientação sexual — prática amplamente condenada por conselhos de psicologia e por organismos internacionais de direitos humanos.
É preciso denunciar. É preciso resistir.
Se você conhece alguém internado em condições suspeitas ou vítimas de abusos em clínicas religiosas, denuncie. Violência disfarçada de fé não é religião: é crime.
E no Fora do Armário, seguiremos expondo as sombras escondidas sob os púlpitos. Porque amar não é doença. E ninguém merece ser despido de sua dignidade.
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